Busca da Felicidade.
Qual é o caminho que o budista deve
percorrer para conquistar a felicidade incondicional, resultado da compaixão
por todos os seres
e da libertação final de todo
sofrimento?
O budismo não vê a existência do ser
humano abaixo dos desígnios de divindades e nem a necessidade de se ter fé nelas.
Sem dúvida, ele também é considerado uma religião, palavra que vem de religare
ou seja, “voltar a unir o que está separado”.
O
budismo afirma ser um caminho para o completo despertar espiritual do ser
humano, o que nos permite supor o entendimento de que não somos algo separado
da natureza fundamental que está em todas as coisas.
Ele também requer fé, ainda que não em
seres superiores, mas nos ensinamentos budistas, chamados de “dharma”. Do mesmo
modo que, para fazermos uma viagem, precisamos acreditar que os mapas são
corretos, é necessário que se tenha fé nos ensinamentos de Buda para seguir
este caminho. A fé verdadeira em que todo ser humano tem capacidade para se
converter em um Buda é um sinal de completo despertar espiritual.
Buda dizia que não dava por dogma nada
sobre sua doutrina ou sua pessoa. Isso significa que a fé da qual se fala no
budismo não é cega, mas baseada na própria crítica pessoal, na experiência do
que já foi vivido e na capacidade de indagação.
O budismo não é, tampouco, um caminho de
conceitos ou leituras para se obter conclusões razoáveis no final. Seu único
intuito é nos libertar do sofrimento e isto não pode ser conseguido apenas com
a ajuda de nossa razão. Não obstante, há no budismo uma parte filosófica muito
grande que serve para explicar a doutrina, a qual precisa ser vivida para ser
realmente compreendida.
Buscamos entender tanto o que se passa
conosco como fora de nós para sermos felizes, mas tudo isso é muito difícil,
pois o sofrimento sempre chega de formas variadas e fora de nosso controle.
Isto ocorre porque a natureza das coisas
é a impermanência.
Felicidade
e Sofrimento
A proposta do budismo é atingir a
felicidade completa e erradicar o sofrimento em todos os seres. Mas o que
significa o sofrimento na doutrina budista? Sua palavra original em sânscrito é
“dukkha” e não se refere apenas à nossa concepção comum de dor, englobando mais
coisas como imperfeição, miséria, insatisfação, penalidade, angústia etc.
Isto
quer dizer que, quando se fala no budismo que o sofrimento é inerente à vida,
não se trata de um ponto de vista pessimista, mas apenas que estas coisas
ligadas à dor aparecem de forma constante e intermitente em nossa vida, ou
seja, é dizer que elas existem.
No budismo, existe o conceito do
despertar ou da “iluminação”. Mas por que esse nome? Buda explicou que o mundo
deveria ser considerado como um sonho. Ao estarmos sonhando, vivemos aquele
momento de maneira tão real quanto a vida que temos quando acordados.
Somente ao despertarmos é que podemos
entender que aquilo era apenas um sonho, uma elaboração de nossa mente. Todos
nós experimentamos isso ao termos um pesadelo, quando nos recordamos da
sensação de alivio ao despertar e compreender que aquilo tudo não era
verdadeiro. O budismo ensina que nossa vida, percebida vividamente como real,
no fundo é de natureza ilusória e que é possível um “despertar” para
compreendê-la.
A felicidade de que fala o budismo é
algo completo. Como percebeu Buda, nenhum ser humano escapa de sofrer com a
doença e a morte ao menos uma vez. Ademais, o sofrimento físico e mental se
manifestam continuamente em nós. Apesar de termos como certo que somos felizes,
esta felicidade é impermanente e logo desaparece.
Diante desta condição de existência, podemos
chegar à conclusão de que a felicidade é um equilíbrio entre o bem e o mal, incluindo
o fato de admitirmos o mal como necessário para podermos desfrutar o bem.
Isto é uma grande verdade, mas se trata
de uma felicidade condicionada, ou seja, que só existe dependendo de algumas
circunstâncias externas e internas. Quando o budismo fala em sermos felizes,
isso quer dizer que devemos conseguir uma felicidade incondicionada, que exista
de maneira independente das circunstâncias.
Bem, mas por que nossa felicidade está
sempre condicionada e não é completa? Continuamente, tentamos agir e pensar
corretamente para não sofrermos. Buscamos entender tanto o que se passa conosco
como fora de nós para sermos felizes, mas isso tudo é muito difícil, pois o
sofrimento sempre chega de formas variadas e fora de nosso controle.
Isto ocorre porque a natureza das coisas
é a impermanência, ou seja, não há nada que não esteja em constante
transformação e sujeito à extinção.
Impermanência
Buda observou, portanto, que a
felicidade está condicionada e, por isso, aparece de forma errante na vida
humana. Entretanto, resistiu em admitir isso como explicação final e tinha uma
enorme fé de que, um dia, encontraria a solução.
Quando atingiu sua iluminação, ele encontrou o
fundamento deste problema e, consequentemente, sua resposta. De forma concisa,
explicou as “Quatro Nobres Verdades” e ofereceu um método para seguirmos, a fim
de chegarmos aonde ele chegou.
Este método é o “Nobre Caminho Óctuplo”, de
onde parte todo o desenvolvimento da doutrina budista. Seu papel é o de nos
conduzir à liberação definitiva do sofrimento e a essa felicidade
incondicionada.
Ainda que as escrituras budistas,
chamadas de “Cânones” (tibetano, chinês, pali etc), ocupem centenas de volumes,
são como uma pirâmide, em cuja ponta estão as Quatro Nobres Verdades e o Nobre
Caminho Óctuplo.
O
budismo coloca um ponto muito importante, que é a indagação da natureza de tudo
o que existe, ou seio, até que ponto as coisas e nós mesmos somos o que
parecemos ser.
Agora, vejamos de que forma a
impermanência nos mantém sujeitos a experimentar o sofrimento. De maneira
contínua, nossa mente entra em contato com objetos, como coisas materiais,
pensamentos, estados de ânimo ou algo qualquer que ela possa perceber.
Além disso, sentimos desejo com relação a
estes objetos em inúmeras ocasiões. Podemos sentir desejo, por exemplo, de que
apareçam ou desapareçam, de encontrá-los ou evitá-los.
Sendo a impermanência a natureza de tudo o que
existe, nosso sofrimento sempre ocorrerá, pois não podemos controlar a natureza
do que estamos percebendo. Assim, caso alguma pessoa nos agrade, queremos sua
presença, mas não podemos controlar quando ela aparecerá, ocorrendo o mesmo com
aquela que nos desagrada e não queremos ver.
Também não podemos impedir que os
pensamentos que nos desagradam passem por nossa mente, do mesmo jeito que não
podemos manter os pensamentos que nos deixam felizes por todo o tempo.
Então, poderíamos pensar que, através da
eliminação do desejo, o budismo promove uma espécie de apatia, mas não é
verdade. Esta também é um desejo de não encontrar objetos ou de não atuar
perante eles e, como todo desejo, acarreta sofrimento.
Se alguém é apático, ser-lhe-á impossível não
entrar em relação com objetos exteriores e, menos ainda, com seus próprios
pensamentos. Ver-se-á obrigado a agir, querendo ou não.
Seríamos tolos se, diante de uma enfermidade,
não quiséssemos ser curados, se preferíssemos não saltar antes de sermos
atropelados ou de não evitarmos aquelas pessoas que nos fazem sofrer. O budismo
também nos convoca para evitar o sofrimento não apenas em nós mesmos, mas em
todos os seres.
A doutrina budista aponta algo muito
mais sutil do que um mero estado passivo diante da realidade quando fala da
aniquilação do desejo. Mas para entendermos este ponto, teríamos primeiro que
indagar à natureza de nós mesmos e destes objetos a razão pela qual sentimos
determinado desejo.
De alguma maneira, ele existe em uma relação
entre nós e aquilo que nossa mente percebe. Sendo assim, devemos perguntar
antes quem somos e qual é a natureza de tudo que percebemos, pois, desta forma,
poderíamos captar o que significa essa felicidade incondicional por um novo
prisma.
Existência convencional e existência definitiva
O budismo coloca um ponto muito
importante, que é a indagação da natureza de tudo o que existe, ou seja, até
que ponto as coisas e nós mesmos somos o que parecemos ser. Segundo a doutrina,
nossa natureza é ilusória, de forma similar ao que se passa nos sonhos. Isto
significa que as coisas existem, mas não de forma definitiva.
Também se costuma dizer que as coisas
carecem de uma existência inerente. Isso parece uma contradição até que o
praticante perceba a questão por experiência própria. Por um lado, dizemos que
nossa casa, nossa cidade, nossos amigos, nosso corpo ou nossos pensamentos
existem de um ponto de vista convencional, mas, por outro, nada disso existe do
ponto de vista definitivo
.
Bem, mas o que isso tem a ver com a
explicação de sentirmos desejo sobre muitas coisas que nossas mentes percebem?
Há uma existência convencional em que sentimos desejo ou aversão pelas coisas,
mas há também uma existência definitiva onde nada disso está ocorrendo.
É
uma questão muito sutil. Não quer dizer que seja mentira o que vivemos, as duas
visões da realidade são, na verdade, uma coisa só. É como ver uma pessoa
sonhando e que começa a chorar. Então, diríamos “desperta”, mas ela está
incapaz de nos ouvir. Naquele momento, ela vive essa realidade. Negar que esteja
vivendo tudo isso seria um erro, pois, se ela chora, é porque está passando por
uma determinada situação em seu sonho.
Realizar a compreensão da inexistência
do Eu não é uma simples crença ou um questionamento puramente racional, mas uma
experiência pessoal que o praticante viverá cedo ou tarde. Quando isto
acontecer, ele perceberá a existência de uma felicidade incondicionada
A inexistência
do Eu
Então, por que vivemos esta realidade
convencional e não podemos viver a definitiva? Em nosso ser, existe algo em
torno do qual giram todas as nossas percepções, pensamentos e ações.
É uma estrutura “artificial” que no
nasce conosco, mas que vai surgindo de maneira progressiva, à medida em que
vamos adquirindo consciência de nós mesmos, desenvolvendo a linguagem e o
contato com a realidade.
É como uma espécie de programa que
existe em nós e que nos situa no tempo e no espaço, oferecendo-nos um lugar na
realidade em que vivemos. Essa estrutura que faz com que nos percebamos como
indivíduos separados das demais coisas e seres é o “Eu”.
Os psicólogos têm se ocupado muito no
estudo do Eu, pois ele é a causa principal do sofrimento nos homens. Todos nós
conhecemos as palavras egocentrismo, egoísmo etc, que definem enfermidades cuja
base é o Eu.
Portanto, o budismo não só propõe a
felicidade aos indivíduos na sociedade, como a psicologia, mas também pretende
levar o ser humano a uma felicidade incondicionada. O budismo afirma que o Eu
não existe de forma definitiva, mas apenas do ponto de vista convencional.
Realizar a compreensão da inexistência
do Eu não é uma simples crença ou um questionamento puramente racional, mas uma
experiência pessoal que o praticante viverá cedo ou tarde.
Quando isto acontecer, ele perceberá a
existência de uma felicidade incondicionada, não dependente das circunstâncias
externas que estão sempre vinculadas a este Eu que ganha ou perde, odeia ou
deseja etc. O praticante dar-se-á conta de que esse Eu está vazio de uma
existência final.
A compaixão
No caminho, o progresso do praticante
pode ser gradual ou súbito, mas, em qualquer caso, a experiência de que o Eu
não possui uma existência definitiva marcará uma grande etapa.
É
aí que a compaixão surge de forma natural, visto que a experiência de constatar
essa falsa individualidade, que nos faz parecer separados dos demais seres,
Leva- nos a um automático sentimento de uma verdadeira compaixão e irmandade
universal.
Com o tempo, essa compaixão
possibilitará ao praticante entrar no caminho do boddhisatva ou daquele que
renuncia a permanecer indefinidamente nesse estado de felicidade incondicionada
para ajudar a todos os seres em seu despertar. O voto do boddhisatva é
realizado por muitos praticantes como uma prova de boas intenções no caminho,
ainda que, na verdade, o primeiro de seus dez estados ocorra de maneira
natural. Em algumas escolas, esse voto se realiza antes mesmo do praticante ter
atingido esta compreensão.
A existência desse voto do boddhisatva distingue
o budismo Mahayana do Theravada, no qual se propõe a liberação do sofrimento
sem questões adicionais.
No entanto, a compaixão também está
naturalmente presente nesta tradição. O budismo é uma árvore com várias
ramificações, mas que deve ser contemplado de forma unitária. Á percepção
profunda da inexistência do Eu não é, em absoluto, a definitiva iluminação
budista, mas somente um ponto crucial do caminho.
A
psicologia budista distingue diferentes tipos de consciência, assim como
existem níveis mais sutis de desejo que devem ser erradicados depois da
percepção da inexistência do Eu.
O objetivo principal destes
esclarecimentos é o de oferecer uma pequena
Busca da Felicidade.
Qual é o caminho que o budista deve
percorrer para conquistar a felicidade incondicional, resultado da compaixão
por todos os seres
e da libertação final de todo
sofrimento?
O budismo não vê a existência do ser
humano abaixo dos desígnios de divindades e nem a necessidade de se ter fé nelas.
Sem dúvida, ele também é considerado uma religião, palavra que vem de religare
ou seja, “voltar a unir o que está separado”.
O
budismo afirma ser um caminho para o completo despertar espiritual do ser
humano, o que nos permite supor o entendimento de que não somos algo separado
da natureza fundamental que está em todas as coisas.
Ele também requer fé, ainda que não em
seres superiores, mas nos ensinamentos budistas, chamados de “dharma”. Do mesmo
modo que, para fazermos uma viagem, precisamos acreditar que os mapas são
corretos, é necessário que se tenha fé nos ensinamentos de Buda para seguir
este caminho. A fé verdadeira em que todo ser humano tem capacidade para se
converter em um Buda é um sinal de completo despertar espiritual.
Buda dizia que não dava por dogma nada
sobre sua doutrina ou sua pessoa. Isso significa que a fé da qual se fala no
budismo não é cega, mas baseada na própria crítica pessoal, na experiência do
que já foi vivido e na capacidade de indagação.
O budismo não é, tampouco, um caminho de
conceitos ou leituras para se obter conclusões razoáveis no final. Seu único
intuito é nos libertar do sofrimento e isto não pode ser conseguido apenas com
a ajuda de nossa razão. Não obstante, há no budismo uma parte filosófica muito
grande que serve para explicar a doutrina, a qual precisa ser vivida para ser
realmente compreendida.
Buscamos entender tanto o que se passa
conosco como fora de nós para sermos felizes, mas tudo isso é muito difícil,
pois o sofrimento sempre chega de formas variadas e fora de nosso controle.
Isto ocorre porque a natureza das coisas
é a impermanência.
Felicidade
e Sofrimento
A proposta do budismo é atingir a
felicidade completa e erradicar o sofrimento em todos os seres. Mas o que
significa o sofrimento na doutrina budista? Sua palavra original em sânscrito é
“dukkha” e não se refere apenas à nossa concepção comum de dor, englobando mais
coisas como imperfeição, miséria, insatisfação, penalidade, angústia etc.
Isto
quer dizer que, quando se fala no budismo que o sofrimento é inerente à vida,
não se trata de um ponto de vista pessimista, mas apenas que estas coisas
ligadas à dor aparecem de forma constante e intermitente em nossa vida, ou
seja, é dizer que elas existem.
No budismo, existe o conceito do
despertar ou da “iluminação”. Mas por que esse nome? Buda explicou que o mundo
deveria ser considerado como um sonho. Ao estarmos sonhando, vivemos aquele
momento de maneira tão real quanto a vida que temos quando acordados.
Somente ao despertarmos é que podemos
entender que aquilo era apenas um sonho, uma elaboração de nossa mente. Todos
nós experimentamos isso ao termos um pesadelo, quando nos recordamos da
sensação de alivio ao despertar e compreender que aquilo tudo não era
verdadeiro. O budismo ensina que nossa vida, percebida vividamente como real,
no fundo é de natureza ilusória e que é possível um “despertar” para
compreendê-la.
A felicidade de que fala o budismo é
algo completo. Como percebeu Buda, nenhum ser humano escapa de sofrer com a
doença e a morte ao menos uma vez. Ademais, o sofrimento físico e mental se
manifestam continuamente em nós. Apesar de termos como certo que somos felizes,
esta felicidade é impermanente e logo desaparece.
Diante desta condição de existência, podemos
chegar à conclusão de que a felicidade é um equilíbrio entre o bem e o mal, incluindo
o fato de admitirmos o mal como necessário para podermos desfrutar o bem.
Isto é uma grande verdade, mas se trata
de uma felicidade condicionada, ou seja, que só existe dependendo de algumas
circunstâncias externas e internas. Quando o budismo fala em sermos felizes,
isso quer dizer que devemos conseguir uma felicidade incondicionada, que exista
de maneira independente das circunstâncias.
Bem, mas por que nossa felicidade está
sempre condicionada e não é completa? Continuamente, tentamos agir e pensar
corretamente para não sofrermos. Buscamos entender tanto o que se passa conosco
como fora de nós para sermos felizes, mas isso tudo é muito difícil, pois o
sofrimento sempre chega de formas variadas e fora de nosso controle.
Isto ocorre porque a natureza das coisas
é a impermanência, ou seja, não há nada que não esteja em constante
transformação e sujeito à extinção.
Impermanência
Buda observou, portanto, que a
felicidade está condicionada e, por isso, aparece de forma errante na vida
humana. Entretanto, resistiu em admitir isso como explicação final e tinha uma
enorme fé de que, um dia, encontraria a solução.
Quando atingiu sua iluminação, ele encontrou o
fundamento deste problema e, consequentemente, sua resposta. De forma concisa,
explicou as “Quatro Nobres Verdades” e ofereceu um método para seguirmos, a fim
de chegarmos aonde ele chegou.
Este método é o “Nobre Caminho Óctuplo”, de
onde parte todo o desenvolvimento da doutrina budista. Seu papel é o de nos
conduzir à liberação definitiva do sofrimento e a essa felicidade
incondicionada.
Ainda que as escrituras budistas,
chamadas de “Cânones” (tibetano, chinês, pali etc), ocupem centenas de volumes,
são como uma pirâmide, em cuja ponta estão as Quatro Nobres Verdades e o Nobre
Caminho Óctuplo.
O
budismo coloca um ponto muito importante, que é a indagação da natureza de tudo
o que existe, ou seio, até que ponto as coisas e nós mesmos somos o que
parecemos ser.
Agora, vejamos de que forma a
impermanência nos mantém sujeitos a experimentar o sofrimento. De maneira
contínua, nossa mente entra em contato com objetos, como coisas materiais,
pensamentos, estados de ânimo ou algo qualquer que ela possa perceber.
Além disso, sentimos desejo com relação a
estes objetos em inúmeras ocasiões. Podemos sentir desejo, por exemplo, de que
apareçam ou desapareçam, de encontrá-los ou evitá-los.
Sendo a impermanência a natureza de tudo o que
existe, nosso sofrimento sempre ocorrerá, pois não podemos controlar a natureza
do que estamos percebendo. Assim, caso alguma pessoa nos agrade, queremos sua
presença, mas não podemos controlar quando ela aparecerá, ocorrendo o mesmo com
aquela que nos desagrada e não queremos ver.
Também não podemos impedir que os
pensamentos que nos desagradam passem por nossa mente, do mesmo jeito que não
podemos manter os pensamentos que nos deixam felizes por todo o tempo.
Então, poderíamos pensar que, através da
eliminação do desejo, o budismo promove uma espécie de apatia, mas não é
verdade. Esta também é um desejo de não encontrar objetos ou de não atuar
perante eles e, como todo desejo, acarreta sofrimento.
Se alguém é apático, ser-lhe-á impossível não
entrar em relação com objetos exteriores e, menos ainda, com seus próprios
pensamentos. Ver-se-á obrigado a agir, querendo ou não.
Seríamos tolos se, diante de uma enfermidade,
não quiséssemos ser curados, se preferíssemos não saltar antes de sermos
atropelados ou de não evitarmos aquelas pessoas que nos fazem sofrer. O budismo
também nos convoca para evitar o sofrimento não apenas em nós mesmos, mas em
todos os seres.
A doutrina budista aponta algo muito
mais sutil do que um mero estado passivo diante da realidade quando fala da
aniquilação do desejo. Mas para entendermos este ponto, teríamos primeiro que
indagar à natureza de nós mesmos e destes objetos a razão pela qual sentimos
determinado desejo.
De alguma maneira, ele existe em uma relação
entre nós e aquilo que nossa mente percebe. Sendo assim, devemos perguntar
antes quem somos e qual é a natureza de tudo que percebemos, pois, desta forma,
poderíamos captar o que significa essa felicidade incondicional por um novo
prisma.
Existência convencional e existência definitiva
O budismo coloca um ponto muito
importante, que é a indagação da natureza de tudo o que existe, ou seja, até
que ponto as coisas e nós mesmos somos o que parecemos ser. Segundo a doutrina,
nossa natureza é ilusória, de forma similar ao que se passa nos sonhos. Isto
significa que as coisas existem, mas não de forma definitiva.
Também se costuma dizer que as coisas
carecem de uma existência inerente. Isso parece uma contradição até que o
praticante perceba a questão por experiência própria. Por um lado, dizemos que
nossa casa, nossa cidade, nossos amigos, nosso corpo ou nossos pensamentos
existem de um ponto de vista convencional, mas, por outro, nada disso existe do
ponto de vista definitivo
.
Bem, mas o que isso tem a ver com a
explicação de sentirmos desejo sobre muitas coisas que nossas mentes percebem?
Há uma existência convencional em que sentimos desejo ou aversão pelas coisas,
mas há também uma existência definitiva onde nada disso está ocorrendo.
É
uma questão muito sutil. Não quer dizer que seja mentira o que vivemos, as duas
visões da realidade são, na verdade, uma coisa só. É como ver uma pessoa
sonhando e que começa a chorar. Então, diríamos “desperta”, mas ela está
incapaz de nos ouvir. Naquele momento, ela vive essa realidade. Negar que esteja
vivendo tudo isso seria um erro, pois, se ela chora, é porque está passando por
uma determinada situação em seu sonho.
Realizar a compreensão da inexistência
do Eu não é uma simples crença ou um questionamento puramente racional, mas uma
experiência pessoal que o praticante viverá cedo ou tarde. Quando isto
acontecer, ele perceberá a existência de uma felicidade incondicionada
A inexistência
do Eu
Então, por que vivemos esta realidade
convencional e não podemos viver a definitiva? Em nosso ser, existe algo em
torno do qual giram todas as nossas percepções, pensamentos e ações.
É uma estrutura “artificial” que no
nasce conosco, mas que vai surgindo de maneira progressiva, à medida em que
vamos adquirindo consciência de nós mesmos, desenvolvendo a linguagem e o
contato com a realidade.
É como uma espécie de programa que
existe em nós e que nos situa no tempo e no espaço, oferecendo-nos um lugar na
realidade em que vivemos. Essa estrutura que faz com que nos percebamos como
indivíduos separados das demais coisas e seres é o “Eu”.
Os psicólogos têm se ocupado muito no
estudo do Eu, pois ele é a causa principal do sofrimento nos homens. Todos nós
conhecemos as palavras egocentrismo, egoísmo etc, que definem enfermidades cuja
base é o Eu.
Portanto, o budismo não só propõe a
felicidade aos indivíduos na sociedade, como a psicologia, mas também pretende
levar o ser humano a uma felicidade incondicionada. O budismo afirma que o Eu
não existe de forma definitiva, mas apenas do ponto de vista convencional.
Realizar a compreensão da inexistência
do Eu não é uma simples crença ou um questionamento puramente racional, mas uma
experiência pessoal que o praticante viverá cedo ou tarde.
Quando isto acontecer, ele perceberá a
existência de uma felicidade incondicionada, não dependente das circunstâncias
externas que estão sempre vinculadas a este Eu que ganha ou perde, odeia ou
deseja etc. O praticante dar-se-á conta de que esse Eu está vazio de uma
existência final.
A compaixão
No caminho, o progresso do praticante
pode ser gradual ou súbito, mas, em qualquer caso, a experiência de que o Eu
não possui uma existência definitiva marcará uma grande etapa.
É
aí que a compaixão surge de forma natural, visto que a experiência de constatar
essa falsa individualidade, que nos faz parecer separados dos demais seres,
Leva- nos a um automático sentimento de uma verdadeira compaixão e irmandade
universal.
Com o tempo, essa compaixão
possibilitará ao praticante entrar no caminho do boddhisatva ou daquele que
renuncia a permanecer indefinidamente nesse estado de felicidade incondicionada
para ajudar a todos os seres em seu despertar. O voto do boddhisatva é
realizado por muitos praticantes como uma prova de boas intenções no caminho,
ainda que, na verdade, o primeiro de seus dez estados ocorra de maneira
natural. Em algumas escolas, esse voto se realiza antes mesmo do praticante ter
atingido esta compreensão.
A existência desse voto do boddhisatva distingue
o budismo Mahayana do Theravada, no qual se propõe a liberação do sofrimento
sem questões adicionais.
No entanto, a compaixão também está
naturalmente presente nesta tradição. O budismo é uma árvore com várias
ramificações, mas que deve ser contemplado de forma unitária. Á percepção
profunda da inexistência do Eu não é, em absoluto, a definitiva iluminação
budista, mas somente um ponto crucial do caminho.
A
psicologia budista distingue diferentes tipos de consciência, assim como
existem níveis mais sutis de desejo que devem ser erradicados depois da
percepção da inexistência do Eu.
O objetivo principal destes
esclarecimentos é o de oferecer uma pequena idéia de como o budismo encara a
prática da compreensão da realidade e de nós mesmos.
Revista Budismos da Editora
Escala Victor Rebelo, Editor de "Como o budismo encara a
prática da compreensão da realidade e de nós mesmos".
Revista Budismos da Editora
Escala Victor Rebeleo, Editor
eu gostaria que o texto fizesse uma distinção entre o eu e o ego.
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