Complexo de Vítima ou de mártir?
Fazer-se de “vítima”
ou de “mártir” são dois dos mais perigosos jogos que o Ego pode jogar. Ambos
são jogos que podem destruir nossa vida a não ser que, simplesmente,
recusemo-nos a continuar jogando.
Mary era um exemplo
clássico de vítima. Ela sofreu maus-tratos na infância, foi criada numa sucessão
de lares adotivos e, depois, casou-se com um homem que a espancava
habitualmente.
Grávida do terceiro
filho, e com a gestação já avançada, o marido atirou-a contra uma cômoda e, em
seguida, deu-lhe um pontapé. Ela foi levada para um hospital com três costelas
quebradas mas, surpreendentemente, o bebê sobreviveu. Uma assistente social foi
convocada e, com muito apoio, Mary mudou-se para um refúgio para mulheres e,
depois, para um pequeno apartamento.
Dentro de alguns
meses, ela estava em sérias dificuldades financeiras e comprometida com um
homem que, segundo suas amigas, tinha um histórico de comportamento violento.
“Sei que sou uma tola”, disse ela, “mas parece que simplesmente não consigo
ajudar a mim mesma!”
Ela sabia que estava
atrapalhando a própria vida e, mesmo assim, continuava. “Se ao menos eu tivesse
tido uma infância tranquila, talvez nada disso tivesse acontecido...”
Entrementes, um grande número de terapeutas e de outros profissionais tentaram
inutilmente ajudá-la, sentindo-se eles próprios cada vez mais impotentes.
Assim como a pobre Mary, muitas pessoas descobrem que estar em crise é a única maneira de pedir
amor e atenção. Elas têm medo de que, se a vida correr bem, se conseguirem se
arranjar sozinhas, todos vão abandoná-las. Sua esperança é a de que, se
chorarem, se lamentarem e rangerem os dentes o bastante, alguém então irá
salvá-las, resolver todos os seus problemas e amá-las.
Obviamente, Annie não queria ser espancada,
mas não achava que merecia algo melhor e, por isso, atraía homens violentos
para a sua realidade.
Como? Experimente
essa nova maneira de ser da próxima vez que se apanhar usando um “melhor do
que”. Que tal isso lhe parece?
As “vítimas” são ímãs que atraem
desastres. Elas repetem constantemente o refrão: “Oh, eu sei que não devia ter
pena de mim, mas é tudo tão horrível!” As vítimas criam trauma após trauma e,
depois, se sentam enquanto os outros tentam ajudá-las — e falham.
Elas vivem do passado, acreditando que, se
tivessem tido pais amorosos, ou se a irmãzinha mais nova não tivesse nascido,
ou se não tivessem se casado, tudo estaria bem.
Elas expressam sua
raiva destruindo a própria vida e, como consequência, magoando outras pessoas —
ao mesmo tempo que arregalam os olhos e assumem um ar de inocência.
A má notícia é que
todo mundo se faz de vítima de vez em quando. Sempre que culpamos a sorte, o
destino, as circunstâncias, a hereditariedade, a nossa infância, o governo, as
outras pessoas ou Deus por qualquer coisa que aconteça na nossa vida, ficamos
presos à “mentalidade de vítima” e, portanto, abdicando de parte do nosso
poder.
As consequências de nos fazermos de vítimas são simples:
permitem- nos evitar assumir a responsabilidade por nossa vida, punir os outros
e entregarmo-nos à autoridade, em vez de cuidar de nós mesmos. Isso não
significa que estejamos fazendo esse jogo conscientemente, mas sim que
aprendemos a viver dessa maneira, sem percebermos que existe uma alternativa
melhor.
Sendo assim, quando
deparamos com uma vítima, nunca devemos tentar resolver seus problemas, pois
isso serviria apenas para reforçar a ideia de que ela está à mercê das
circunstâncias, destituída de força e de recursos próprios, e essa crença
deixa-a ainda mais enfraquecida.
Tampouco devemos culpá-la por suas
dificuldades. Em vez disso, devemos proporcionar- lhe meios de assumir a
responsabilidade por sua própria vida; e então — se e quando ela estiver pronta
—, ajudá-la a compreender suas dívidas e missões ocultas para que possa optar
por interromper esse jogo destrutivo.
A condição de mártir
é mais sutil e sofisticada — e, portanto, ainda mais perigosa, porque pode
passar despercebida. Apesar disso, todos temos um mártir dentro de nós. Laz sugere que, se alguma vez tivermos qualquer uma das seguintes sensações, então
esse é o nosso mártir saindo sorrateiramente de seu esconderijo:
1. Sentirmo-nos
incompreendidos.
2. Sentirmo-nos
malquistos.
3. Sentirmo-nos
impotentes.
4. Sentirmo-nos
oprimidos por exigências inacreditáveis.
5. Sentirmo-nos
sobrecarregados por problemas insolúveis.
6. Sentirmo-nos
livres de todas as responsabilidades.
7. Sentirmo-nos
julgados ou tratados injustamente.
“Mas eu realmente sou
malquisto!” Talvez, e foi você quem criou essa realidade. Por que você fez
isso?
Durante a década em
que trabalhei no Serviço Nacional de Saúde, vi inúmeros mártires — e boa parte
deles pertencia ao corpo de funcionários.
As conversas na sala do café frequentemente giravam
em torno das pressões das listas de espera, da carga de trabalho, dos “casos
sem esperança”, da falta de reconhecimento por parte da administração, da
ausência de apoio e da inevitabilidade de se trabalhar incontáveis horas além
do expediente, sem remuneração, em detrimento da vida pessoal de cada um.
“Pobres de nós, seres tão maravilhosos!”, era
o tácito consenso. As reuniões dos funcionários reverberavam com os pesados
suspiros (os mártires gostam muito de suspirar) e estávamos tentando ajudar os
nosso clientes a pôr em ordem suas vidas! Não é de surpreender que raramente
identificássemos os nosso clientes como outros tantos mártires. Isso os
aproximaria excessivamente de nós mesmos.
É raro os mártires se
queixarem abertamente de seu destino. Eles em geral negam que sentem pena de si
mesmos. — “Não, tudo está bem!” — mas deixam claro que a vida está sendo dura
com eles. Eles se sentem esmagados pelas responsabilidades, mas raramente
aceitam alguma ajuda. (“Vou me arranjas sozinho.”)
Eles associam sofrimento a santidade. Enquanto
as vítimas vivem no passado, os mártires vivem no futuro: uma era dourada em
que seu fardo será aliviado, seus esforços serão reconhecidos e eles serão
plenamente vingados. De alguma maneira, porém, esse futuro nunca chega.
Quando eu estava
escrevendo este texto, fiz o papel de mártir durante duas semanas. Vi-me
trabalhando de 12 a
14 horas por dia, mal saindo para tomar ar e não vendo a hora de terminar o
livro para que a vida pudesse recomeçar — em vez de desfrutar o dia-a-dia do
processo de escrever, de viver a vida em sua plenitude.
Meu mundo exterior começou a refletir tudo o
que não estava bem, O muro do jardim caiu durante uma tempestade; um pneu de
meu carro furou e recebi vários telefonemas “por engano”. Esforcei-me durante
algum tempo para compreender essas metáforas até que, durante a meditação, uma
voz interior me disse:
“Você está se martirizando por causa desse
livro.” Subitamente, tudo fez sentido! Examinei minhas crenças e decisões,
reorganizei minha programação de trabalho, fiz diversos passeios — e senti uma
enorme sensação de alívio.
A martirizarão pode ser vista como uma “silenciosa e
justificada cólera que procura uma vingança justa e silenciosa”. Os mártires,
sugere ele, querem punição. Eles estão convencidos de serem os únicos que
sofrem e recusam-se a ver o impacto que produzem sobre os outros.
Os mártires nunca
estão errados. Eles sempre justificam e racionalizam o próprio comportamento.
Sempre são as outras pessoas que estão erradas. Eles simplesmente sentem-se
incompreendidos e não-reconhecidos.
Na condição de pais,
os mártires ensinam os filhos a jogar o jogo. (“Veja tudo o que eu fiz por
você, e é assim que você se comporta!”
“Não, você sai para
se divertir com seu pai. Vou ficar para esfregar o chão da cozinha, lavar suas
roupas e preparar o jantar.”) Os filhos de mártires bem desenvolvidos aprendem
que é errado gozar a vida, errado satisfazer as próprias necessidades, errado
expressar a raiva diretamente, e que “amor” significa sacrifício de si próprio.
A não ser que consigam enxergar além do jogo,
essas crianças crescem para também ser vítimas e mártires de si mesmas.
Mártires geram mártires.
A mãe de Jéssica
comportava-se como mártir, e a filha havia aprendido bem o jogo. Aos 17 anos
ela ficou grávida de um homem mais velho, que logo a abandonou. Ela foi
rejeitada por sua família e mudou-se para outra cidade, onde teve de lutar para
criar o filho, sozinha e sem apoio.
Quando seu filho foi gravemente ferido num
acidente de trânsito, ela cuidou dele até ficar exausta, recusando ajuda
externa e confortando-se com o pensamento de que, se sua família soubesse o que
estava se passando, todos viriam em seu socorro.
Jéssica
comprometeu-se com um homem casado, que acabou pondo um fim no relacionamento.
Decorridos dez anos, porém, Jéssica ainda estava convencida de que um dia ele
perceberia que a amava, chegaria à sua porta com um anel e, depois disso, os
dois viveriam felizes para sempre.
De fato, seu
guarda-roupa estava cheio de roupas novas, sapatos, perfumes e cosméticos que
ela “guardava” para o seu futuro de fantasia. Nesse meio tempo, usava os velhos
trapos, semana após semana, vivia na pobreza e mantinha-se “fiel” a seu
ex-amante.
Eu tinha conversado
com Jéssica ao longo de doze meses, antes que ela chegasse a admitir para si
mesma que o amante nunca voltaria.
Demorou ainda mais
tempo para ela perceber que não tinha a certeza de que, algum dia, tivesse
chegado a desejar que ele o fizesse. Foi preciso muita coragem — e amor-próprio
— para admitir que todo o seu sofrimento havia sido em vão.
O Ego é o mártir
hipócrita que existe dentro de nós mesmos. É o diabo interior; e se
reconhecermos a martirização em nossos amigos, parentes e colegas, então é
preciso nos lembrar: o mundo é nosso espelho!
Martirização
1) Considere os sete
sinais de martirização relacionados acima e lembre-se de quando você teve esses
pensamentos e sentimentos. Como você se comportou nessas situações?
De quem você estava
com raiva? A quem você estava tentando castigar? (Poderia ser alguém que nem
sequer estivesse lá, como um pai ou mãe que existiam dentro da sua cabeça.)
2) Descreva as vantagens
de ser um mártir. Por que você pratica um jogo tão destrutivo? Você gosta de
sentir pena de si mesmo? Isso o faz sentir-se especial ou único? Você imagina
que, de alguma maneira, será recompensado por ser um mártir? Esta é a sua
maneira de ser “poderoso”?
Esta é a única forma
de expressar a sua raiva? A quem você se sente incapaz de perdoar? Você
acredita que a vida é cheia de sofrimento? Ou que o sofrimento santifica? Você
reluta em aceitar a ajuda dos outros porque detesta sentir-se dependente ou agradecido?
Esta é uma maneira de evitar responsabilidades
pela sua vida? Você se apega a problemas porque não sabe em que outra coisa
pensar ou discutir com os amigos? (Não basta dizer que você aprendeu com seus
pais a se martirizar. Você optou por jogar esse jogo. Por quê?)
3) Anote agora os
custos de ser um mártir. Qual é o preço que você paga? Em que a sua vida seria
diferente se você desistisse desse jogo?
Como iria sentir-se
em relação a si mesmo? Imagine-se sofrendo uma súbita transformação em que o
mártir é banido de sua vida para sempre. Como o seu “novo eu” se comporta,
pensa, sente e fala? Como a mudança afeta seus relacionamentos, trabalho,
finanças, lazer e saúde?
4) Por fim, tome a decisão: você
está preparado para abrir mão de suas vantagens em favor dos benefícios de
perder o seu mártir? Se for este o caso, comece a ser essa nova pessoa de agora
em diante. Sempre que puder, evite começar a fazer o papel de mártir — e, em
vez disso, seja amoroso, compassivo, honesto, grato, responsável, otimista,
corajoso". Gilda Eds
Este texto está livre para divulgação desde que seja citada a fonte:
http://dharmadhannyael.blogspot.com.br/2013/12/complexo-de-martir-ou-vitima.html
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