Você é irado?
A Raiva e o Perfeccionismo -Parte 1
Claudio Naranjo
Estudar a ira, a raiva e o perfeccionismo
clareia nossas concepções sobre a personalidade humana. Naranjo nos ensina a
compreender as virtudes e “pecados” do ser humano com sabedoria. É fascinante
compreender nossas fragilidades e assim, nos universalizamos sem preconceitos e
sem discriminações.
“Esses são os obstáculos: as trevas
da insensatez, da
autoafirmação, da luxúria, do ódio, do apego.
A escuridão da insensatez é o campo dos
outros... o
fardo da sujeição ao sofrimento tem sua raiz nesses
obstáculos. ”
fardo da sujeição ao sofrimento tem sua raiz nesses
obstáculos. ”
“A introspecção é o primeiro passo em direção à transformação, e infiro que, depois de conhecer a si mesmo, ninguém pode continuar sendo o mesmo. ” *
THOMAS MANN — ON HIMSELF
1.
Teoria Fundamental,
Nomenclatura e Lugar no Eneagrama.
“Podemos considerar a ira de três maneiras”, diz
São Tomás em Questiones Disputatae-,
“Primeiro, a ira que reside no coração (Ira
Cordis);
- também, na medida em que ela flui em palavras (Ira
Locutionis'),
- e terceiro,
quando ela se transforma em ações (Ira Actiones).”
O levantamento quase não nos faz lembrar as
características do tipo perfeccionista que estaremos retratando aqui. No
entanto, existe raiva no coração, principalmente sob a forma de ressentimento,
mas não tão visivelmente quanto a raiva pode ser vivenciada pelo sensual, o
invejoso, ou o covarde.
Quanto ao
comportamento verbal, é mais típico do tipo irado ser controlado na
expressão da raiva, em qualquer uma de suas formas explícitas: estamos na,
presença de um tipo bem-comportado e civilizado, e não na de um indivíduo
espontâneo.
No que
diz respeito à ação, os indivíduos do tipo I do eneagrama expressam a raiva,
porém inconscientemente, não apenas para si mesmos como também para os outros,
pois eles o fazem de uma maneira tipicamente racionalizada;
com efeito, grande parte dessa personalidade
pode ser compreendida como a formação de uma reação contra a raiva: uma negação
da destrutividade através de uma atitude deliberada, bem-intencionada.
A definição da raiva de Oscar Ichazo como uma
“posição contra a realidade” possui o mérito de dirigir-se a uma questão mais
básica do que o sentimento ou expressão da emoção
O fato de que o mecanismo de defesa do caráter
obsessivo seja a “formação reativa”, que através da compensação transforma
conteúdos psíquicos em seus opostos, faz que a ira dos iracundos constitua uma
paixão menos visível que o orgulho dos orgulhosos e a luxúria dos luxuriosos.
Enquanto
que um invejoso pode não querer ver sua inveja, e portanto negá-la, ou aquele
que teme muito ter medo ignora seu temor, a negação da ira no caráter
perfeccionista parece um caso especialmente acusador de inconsciência, e
converte em particularmente inepto o termo “iracundo” para sugerir à
personalidade aparente de seu portador emoção.
O arrogante,onipotente e perfeccionista não admite ser contrariado, que tudo não
aconteça com ele quer e por isso ele fica irado.
O “iracundo” é tipicamente
aquele que parece de bem com a vida. Frequentemente, no mundo moderno, é um
pacifista. A mãe “iracunda” provavelmente não gostará que seu filho tenha
brinquedos bélicos ou soldados de chumbo.
O potencial
agressivo em sua psiquismo está supercompensado por algo muito mais aparente: o
mandato ético de não-agressão. É que o caráter perfeccionista é usualmente o de
um moralista, ou então o de uma pessoa em que chama atenção seu entusiasmo
pelas regras, as normas, as boas intenções e os nobres propósitos. Para nenhum
outro é tão certo o refrão que diz:
“De boas intenções é feito o caminho do inferno.”
Uma vez descrevi este caráter como o de uma “virtude
iracunda”, expressão que reflete tanto o aspecto passional-emocional do caráter
como sua “fixação” ou perspectiva equivocada sobre a vida: a ideia de que não
vale nada, nem merece o amor a menos que seja perfeito.
Isto faz que
esta pessoa, tão caracteristicamente devota e preconizadora da bondade, seja
crítica em excesso e pouco terna. Poder amar só o perfeito é certamente uma
forma de não poder amar.
A autoimagem de boa pessoa, não obstante, mantém-se
com uma dieta contínua de boas intenções e boas obras, e com a racionalização
da ira perfeccionista como uma nobre luta por altos ideais.
Existem perfeccionistas que se identificam mais com
sua imagem idealizada do que com sua imagem denegrida, e portanto se sentem
superiores por sua excelência, ao mesmo tempo em que são intransigentes e desvalorizam seus semelhantes.
Em inglês
circula a expressão Holier than Thou (mais santo que tu), que vem bem ao
caso: faz referência à tendência a exaltar a própria nobreza e ver
exageradamente o aspecto plebeu ou não cultivado do outro.
Os ingleses
foram caricaturizados por sua excessiva inclinação a sentirem-se corretos e
perceberem os outros como selvagens - particularmente nos tempos do império e
suas colônias.
Esta variante
corresponde a uma pessoa rígida que espera que o mundo inteiro se adapte a
ela, que a escute e imite seu nobre exemplo, enquanto se identifica com seu eu
idealizado.
Outros, comparativamente, criticam-se mais, têm maior
contato com seu eu denegrido. É impressionante sobretudo o respeito que têm
pela excelência alheia, assim como sua menor tendência a erigir-se em
autoridade, diferentemente dos rígidos.
Trata-se de pessoas cujo perfeccionismo nunca chega a
ver-se satisfeito; nunca sentem que fizeram as coisas suficientemente bem para
ficarem em paz. Podemos caracterizá-los como indivíduos preocupados.
Quando nos transferimos do discurso religioso para a
observação da vida humana por parte dos escritores que se especializaram na
análise do caráter, apreciamos que a síndrome de personalidade que nos ocupa
foi estudada desde a Antiguidade, mas não no sentido iracundo que hoje em dia denominamos
“psicodinâmica”.
Teofrasto descreve entre seus caracteres um que
denomina “o oligarca28”, e define a oligarquia como o afã de mando
que aspira o poder e a riqueza. O oligarca aqui retratado vai além de uma
combinação aristocrática de presunção, refinamento e domínio não reconhecido.
Diz-nos que tem certas frases constantes em sua boca, expressões que aludem aos
sentimentos aristocráticos, o desdém e a cerimônia.
‘"Convém que, reunindo-nos entre nós mesmos,
tomemos determinações sobre estes assuntos e nos afastemos do populacho e do agora.
Coloquemos um ponto final às nossas participações nas magistraturas, e desta
maneira às críticas e às honras desta gentalha. É preciso que nesta cidade ou
governem eles ou nós mesmos’ (...)
O oligarca
nunca sai antes do meio dia; seu manto está cuidadosamente colocado, sua barba,
maravilhosamente asseada e suas unhas bem cortadas (...) Desagrada-lhes
sentar-se na assembleia ao lado de algum sujeito sujo ou esfarrapado.”
Nas máscaras italianas, o doutor Balanzone anda todo
vestido de negro - algo usual nos doutores do século XIV -, com uma grande gola
branca, punhos brancos de pregas e um grande chapéu negro na cabeça.
É um sexagenário de ar professoral e origem
bolonhesa, em referência à antiga universidade; uma caricatura, enfim, dos que
fazem alarde a cada momento de seus conhecimentos.
Seu nome remete à balança - símbolo da justiça -, já
que se vangloria de ser um famoso representante da lei. Sempre está a ponto de
subir à cátedra para lecionar aos demais.
Ainda que seja
para comentar o sucesso mais insignificante, recorre a longos discursos cheios
de palavras latinas. Declara conhecer a fundo a gramática, a lógica, o direito,
a filosofia, a física, a matemática e a geografia.
Semelhante pedantismo e distração do essencial reflete-se
na anedota do professor de francês que, justo antes de morrer, sentencia: “Je
meure”. Ou, “Je me meure”. - que, de ambos os modos, pode ser dito.
28 “
Duas síndromes diferentes relacionadas o caráter anal:
nossos tipos da ira e da avareza do eneagrama - demarcadas nos antípodas no
eneagrama, e que no entanto partilham a qualidade de serem impulsionadas pelo superego,
rígidas e controladas.
Se o “caráter anal” não é um conceito ambíguo, também
encontramos em Wilhelm Reich a descrição de uma personalidade que corresponde
de uma maneira mais pura ao nosso perfeccionista: seu caso do “caráter
aristocrata”, discutido em Caracter Analysis em defesa de algumas ideias
gerais sobre a função do caráter.
Ele descreve seu paciente como tendo “um semblante
reservado”, sendo sério e um tanto arrogante; “Sua maneira de andar nobre e
cadenciada chamava a atenção... era evidente que ele evitava — ou ocultava —
qualquer ódio ou entusiasmo... sua fala era bem fraseada e equilibrada, suave e
eloquente...”
“Quando ele se deitava no sofá, praticamente não se
percebia nenhuma mudança em sua compostura e requinte”... “Talvez fosse apenas
um insignificante... que um dia ‘aristocrata’ tenha me ocorrido com relação ao
comportamento dele”, comenta Reich;
“eu lhe disse
que ele estava representando o papel de um lorde inglês”, prossegue ele, e
passa a discutir esse paciente, que nunca se masturbou na puberdade, serve-se
aristocraticamente da seguinte defesa contra a excitação sexual: “Um nobre não
faz essas coisas”.
A síndrome que estivemos discutindo é hoje
identificada no DSM III americano13 como um distúrbio da
personalidade compulsiva. Este manual oferece as seguintes sugestões para o
diagnóstico dessa personalidade:
1.
Afetividade reprimida (e.g., parece pouco
relaxado, tenso, triste e severo; a expressão emocional é mantida sob rígido
controle).
2.
Auto-imagem escrupulosa (e.g., vê a si mesmo
como esforçado, digno de confiança e eficiente; valoriza a autodisciplina, a
prudência e a lealdade).
3 - Respeitabilidade interpessoal (e.g., exige uma
devoção fora do comum às convenções e propriedades sociais; prefere os
relacionamentos pessoais polidos, formais e corretos).
4.
Constrição cognitiva (e.g., constrói o mundo em
função de regras, regulamentos, hierarquias; tem pouca imaginação, é indeciso e
fica perturbado com ideias ou hábitos novos ou pouco familiares).
5.
Rigidez de comportamento (e.g., mantém um padrão
de vida bem estruturado, altamente regulado e repetitivo; demonstra
preferência pelo trabalho organizado, metódico e meticuloso).
Segue-se a descrição das características do
comportamento da personalidade compulsiva nas palavras de Theodore Millon:
“O triste e severo comportamento dos compulsivos é
amiúde bastante surpreendente. Não quero dizer que eles sejam invariavelmente
taciturnos ou deprimidos, e sim transmitir seu característico ar de austeridade
e seriedade.
A postura e o
movimento refletem sua constrição subjacente, um tenso domínio das emoções,
que são mantidas rigorosamente sob controle... O comportamento social dos
compulsivos pode ser caracterizado como polido e formal.
Eles se
relacionam com os outros sob o aspecto de status ou posição social; ou
seja, eles tendem a ter uma perspectiva autoritária em vez de igualitária.”
Isso se reflete em seu comportamento contrastante com
os ‘superiores’ em oposição aos ‘inferiores’. As personalidades compulsivas são
respeitosas, insinuantes e até mesmo subservientes com relação aos seus
superiores, esforçando-se ao máximo para impressioná-los com sua eficiência e
seriedade.
Muitos buscam a
tranquilizaçâo e a aprovação ^a sua posição. Esse comportamento contrasta
fortemente com suas atitudes diante de seus subordinados. Neste caso, o
compulsivo é bastante autoritário e reprovador, mostrando-se frequentemente
arrogante e orgulhoso.
Esse jeito
altivo e reprovador está geralmente disfarçado atrás de regulamentos e
formalismos. É bastante típico dos compulsivos justificarem suas intenções
agressivas recorrendo a regras ou autoridades acima de si mesmos.
Na elaboração final que Karen Horney nos deixou da sua
experiência clínica, Neurosis and Human Growth, ela agrupa três tipos de
caráter debaixo de uma denominação geral de “as soluções expansivas”.
Trata-se de abordagens à vida através da supremacia,
nas quais o indivíduo abraça cedo na vida, como uma solução para conflitos, uma
estratégia de “mover-se contra” os outros (contrária à orientação daqueles que
se movem sedutoramente “na direção" dos outros ou que se “afastam”
receosamente dos outros).
Uma dessas três formas da “solução da supremacia” (ou
“mover-se contra”) ela chama de “perfeccionista”, e embora a descreva sem fazer
referência aos tipos “anal” e “compulsivo” anteriores da literatura, ela
contribui substancialmente para o entendimento psicodinâmico da síndrome em
questão.
Eu a cito a
seguir:
“Este tipo se sente superior em virtude de seus
elevados padrões morais e intelectuais, e em função disso ele trata os outros
com superioridade. Ele nutre um desdém arrogante pelos outros, apesar de também
oculto de si mesmo -— atrás de uma refinada cordialidade, visto que seus
padrões proíbem esses ‘sentimentos irregulares’.
Ele tem duas
maneiras de toldar a questão dos “deveria”, não satisfeitos. Ao contrário do
tipo narcisista, ele faz um intenso esforço para estar à altura dos seus
“deveria”, cumprindo deveres e obrigações, tendo maneiras educadas e
disciplinadas, não contando mentiras óbvias, etc.
Quando falamos de pessoas perfeccionistas, frequentemente
pensamos apenas naqueles que mantêm uma ordem meticulosa em tudo que os cerca,
que são excessivamente escrupulosos e pontuais, precisam encontrar sempre a
palavra adequada, ou precisam usar a gravata ou o chapéu perfeito.
Mas esses são
apenas aspectos superficiais da sua necessidade de alcançar o mais elevado grau
de excelência. O que realmente importa não são esses detalhes insignificantes,
e sim a excelência impecável de toda sua conduta na vida.
Mas como tudo
que ele pode alcançar é uma perfeição de comportamento, outro artifício se faz
necessário, ou seja, igualar em sua mente padrões e realidades —- conhecer os
valores morais e ser uma boa pessoa...
O autoengano envolvido está ainda mais oculto dele uma
vez que, com relação aos outros, ele pode insistir em que eles efetivamente se
mostrem à altura dos seus padrões de perfeição e desprezá-los por deixarem de
fazer isso. Sua autocondenação é desse modo exteriorizada.
“Como confirmação da sua opinião sobre si mesmo, ele
precisa do respeito dos outros, em vez de uma reluzente admiração (que ele se
inclina a menosprezar). Por conseguinte, suas reivindicações se baseiam mais
num 'trato’ que ele secretamente fizera com a vida do que numa crença ‘ingênua’
em sua grandeza pessoal.
Como ele é
imparcial, justo e obsequioso, ele tem o direito de ser tratado com justiça
pelos outros e pela vida em geral. Essa convicção de que existe uma justiça
infalível em atuação na vida confere a ele um sentimento de supremacia. Sua
perfeição, portanto, não é apenas um meio cie ser superior, mas também de
controlar a vida.
A ideia da sorte imerecida, boa ou má, lhe é estranha.
Seu próprio sucesso, prosperidade ou boa saúde é, por conseguinte, mais uma
prova da sua virtude do que algo a ser desfrutado”.
Podemos discernir a personalidade que está sendo considerada
no tipo pensamento extrovertido de Jung:16
“Este tipo será, por definição, um homem cujo
constante empenho — na medida em que, é claro, ele seja um tipo puro — é tomar
todas as suas atividades dependentes de conclusões intelectuais, que em último
recurso são sempre orientadas por dados objetivos, sejam estes fatos externos ou
ideias geralmente aceitas.
Esse tipo de
homem eleva a realidade objetiva, ou uma fórmula intelectual objetivamente
orientada, ao princípio governante, não apenas para si mesmo, como também para
todo seu ambiente.
Por essa fórmula são medidos o bem e o mal, e
determinadas a beleza e a feiura. Tudo que concorda com essa fórmula está
correto, tudo que a contradiz está errado, e qualquer coisa que passe
indiferentemente por ela é meramente incidental.
Como essa
fórmula parece personificar todo o significado da vida, ela é transformada numa
lei universal que precisa ser posta em ação o tempo todo em todos os lugares,
tanto individual quanto coletivamente.
Da mesma
maneira como o tipo pensamento extrovertido se subordina à própria fórmula,
também, para seu próprio bem, todos que o cercam também precisam obedecê-la,
pois quem quer que se recuse a obedecê-la está errado — estará resistindo à lei
universal, sendo portanto irracional, imoral e destituído de consciência.
Seu código
moral o proíbe de tolerar exceções; seu ideal precisa ser realizado sob todas
as circunstâncias, pois a seus olhos esse ideal é a mais pura formulação
concebível da realidade objetiva, e, por conseguinte, também precisa ser uma
verdade universalmente válida, indispensável para a salvação da humanidade.
Isso não é oriundo de um grande amor por seu semelhante, e sim do ponto de
vista superior da justiça e da verdade.
Qualquer coisa
em sua natureza que pareça invalidar essa fórmula é uma mera imperfeição, uma
falha acidental, algo a ser eliminado na vez seguinte, ou, no caso de uma falha
ulterior, claramente patológica. Se a tolerância pelos doentes, sofredores ou
excepcionais for, por acaso, um dos ingredientes da fórmula, providências
especiais serão tomadas para fornecer ajuda às sociedades humanitárias,
hospitais, prisões, missões, e assim por diante, ou, pelo menos, planos
extensivos serão elaborados.
“Geralmente a justiça e a verdade não são razões suficientes
para assegurar a efetiva execução desses projetos; para isso, uma verdadeira
caridade cristã se faz necessária, e isso está mais relacionado com os
sentimentos do que com qualquer fórmula intelectual. As palavras ‘deve’ e
‘precisa’ têm grande importância nesse programa.
Se a fórmula
for suficientemente ampla, esse tipo pode desempenhar um papel bastante útil
na vida social como reformador, promotor público ou purificador de consciência,
ou ainda como propagador de importantes inovações.
Porém, quanto
mais rígida a fórmula, mais ele se toma disciplinador, tergiversador e
presunçoso, alguém que gostaria de obrigar a si mesmo e os outros a dividirem
um único mundo. Temos aqui os dois extremos entre os quais se desloca a maioria
desses tipos.”
No domínio das aplicações de teste da tipologia
junguiana, a mais adequada é encontrada no “ESTJ” (extrovertido, com
predominância da sensação sobre a intuição, do pensamento sobre o sentimento,
do julgamento sobre a percepção).
David Keirsey e
Marilyn Bates, referindo-se a essas avaliações, dizem que o melhor adjetivo
para descrevê-las seria “responsável”.
No domínio da medicina homeopática, a descrição da
personalidade semelhante ao tipo I do eneagrama tem sido feita com relação a
indivíduos que são especificamente ajudados pelo uso de Arsenicum.
Assim, em Portraits of Homoeopathic Medicines,
Catherine R. Coulter se refere à personalidade de Arsenicum como “a perfeccionista
por excelência”.18 Ela descreve em detalhe a natureza conscienciosa
e meticulosa da criança de Arsenicum.
Corolários da perfeição são encontrados no adulto que
compulsivamente reelabora as coisas, que nunca está satisfeito com os
resultados, como no caso do professor que reescreve incessantemente suas
palestras e que sente uma ansiedade concomitante por se sentir despreparado, o
que torna a disposição de Arsenicum a antítese do relaxamento.
Outro corolário é a ordenação e, outro ainda, a
autocrítica. Ela também descreve uma forte competitividade que caminha de mãos
dadas com a ambição de ser o melhor.
Outra palavra que Coulter introduz na descrição de Arsenicum
é a superexigência — aplicada à mania compulsiva de ordem, assim: “... Em todas
as esferas ele é difícil de agradar, e, em sua intolerância com relação a tudo
que é desarrumado, .irritado com qualquer ato desajeitado — deixar cair um
prato, derrubar um copo, espalhar comida — tanto seu quanto de outra pessoa.”
Outro aspecto
da perfeição mencionada no caso de Arsenicum é a meticulosidade —
‘“consciencioso a respeito de ninharias’: Kent.” Coulter diz: “Seu trabalho
manifesta aquele ‘toque final’ particular — aquele polimento final — que revela
uma atenção meticulosa ao detalhe.”
Bastante característica do tipo I do eneagrama é a
ansiedade descrita com relação a Arsenicum Album — uma ansiedade que
está relacionada com a expectativa de problemas e com uma exagerada
meticulosidade
Um frequente objeto de preocupação para Arsenicum,
segundo Coulter, é o dinheiro. “Quer ou não ele o tenha, ele pensa e fala muito
a respeito dele, frequentemente lamentando sua pobreza ou o alto custo de vida.
Seu amor pelo dinheiro é mais forte do que o da maioria dos tipos
constitucionais, e ele pode até ser ‘avarento’ (Hering)...”
A descrição de Arsenicum como um tipo dominador
também é congruente com o tipo I do eneagrama: “Ele assume a liderança nos
relacionamentos pessoais, determinando seu tom e esfera de ação, nada mais
restando aos outros senão aquiescer... O dominador Arsenicum não
consegue tolerar que outras pessoas assumam o comando e insiste em tomar
sozinho todas as decisões...”
Outras observações na descrição de Coulter do tipo Arsenicum
são a tendência para a intelectualizarão excessiva, uma preocupação com “o
significado de cada sintoma”, e um “one- upmanship "médico que “faz
com que ele desconfie até daqueles cuja ajuda ele está buscando”.
Ela relata que,
enquanto “muitos tipos constitucionais não vêem com bons olhos quaisquer
restrições alimentares... Arsenicum adora fazer uma dieta e seguirá
religiosamente o regime mais espartano. Ele não apenas se delicia com as dietas
da moda, como também a necessidade de uma dieta especial confirma a gravidade
do seu estado...”
A correspondência da personalidade Arsenicum da
homeopatia com nosso tipo I do eneagrama toma-se ainda mais explícita através
da menção de Coulter a um exemplo literário — Miss Betsey de Dickens em David
Copperfield, “cuja aparência mal-humorada, exigente e às vezes temível
oculta uma integridade e delicadeza moral”.
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