Respirar - O segredo da alegria
Recomendada pelos médicos, estudada pelos cientistas,
praticada por milhões mundo afora. Conheça essa técnica ancestral de
autoconhecimento e tudo o que ela pode fazer por você.
por Jomar Morais
Na sala vazia e silenciosa, dois monges zen, com seus mantos
e cabeças raspadas, estão sentados no chão, lado a lado, pernas cruzadas.
Depois de alguns instantes, o mais jovem lança um olhar surpreso e irônico para
o mestre. Sereno, o velho monge comenta: “É só isso, mesmo. Não vai acontecer
mais nada”. Não se trata de uma cena real. É só uma charge publicada na
renomada revista americana The New Yorker, brincando com o novo hábito
americano de meditar regularmente, como fazem os orientais há milhares de anos.
A fina ironia da charge, no entanto, tem a ver com a realidade. Embora singela,
a atitude de sentar sobre uma almofada (ficar em posição de lótus exige um
preparo de monge) e ficar atento à própria respiração é tão fora de propósito
em nossa rotina atabalhoada que é fácil se identificar com o jovem monge,
perplexo e irônico, ao encará-la pela primeira vez. Comigo não foi diferente.
Na primeira vez em que me detive a acompanhar o compasso da
respiração, o sentimento inicial foi de surpresa. Espantei-me pela rapidez com
que tudo caminhou para a inatividade. O turbilhão de pensamentos que ocupava
minha mente (uma conta para pagar, uma cena do filme que vi no dia anterior,
uma ótima piada para contar aos amigos) foi desaparecendo sem que eu me desse
conta.
O incômodo da perna dormente, pressionada pela flexão, logo foi
substituído por um inesperado prazer, prazer de simplesmente respirar. Então,
de repente, foi como se tudo houvesse parado nos primeiros segundos depois de acordar,
aqueles instantes em que você se sente presente e alerta, mas com a cabeça
vazia. Enfim, aqueles poucos segundos do dia em que nada acontece.
Foi então que tudo ficou meio irônico: o êxtase, o delicioso
estranhamento que entupiu meus sentimentos, acabou em um segundo! E no instante
seguinte todos os pensamentos voltaram: a conta, o filme, a piada e mais um
monte de coisas. Rindo comigo mesmo, me perguntei – talvez como um jovem monge
perplexo e desconfiado – se não haveria algo mais divertido para fazer naquele
instante. Mas logo me peguei novamente de olhos fechados.
Quer dizer que meditar é só parar e não pensar em nada? É.
Como afirmam os especialistas, é um não-fazer. Mas, acredite, não é fácil. Não
para ocidentais como eu e você, acostumados com a ideia de que, para resolver
um assunto, o primeiro passo é pensar bastante nele. Na meditação, a ideia é
exatamente o oposto: parar de pensar, por mais bizarro que isso pareça.
A novidade é que, mesmo parecendo alienígena, a meditação
conquista cada vez mais adeptos no Ocidente. Dez milhões de
americanos meditam regularmente em casa e em hospitais, escolas, empresas,
aeroportos e até em quiosques de internet.
Entre os milhões de meditadores
americanos estão celebridades de grosso calibre, como o dirigente da Ford, Bill
Ford, e o ex-vice-presidente Al Gore. No Brasil, a exemplo da Hollywood dos
anos 90, a meditação entrou para a rotina de estrelas – como a atriz Christiani
Torloni e a apresentadora Angélica, que recorreu à prática para livrar-se de
uma crise de síndrome do pânico – e virou ferramenta diária de produtividade em
empresas e até em alguns círculos do poder. O prefeito de Recife, João Paulo,
por exemplo, só inicia o expediente após meditar por alguns minutos.
Mas como é que algo assim, na contramão do pragmatismo
moderno, consegue empolgar tanta gente? Como pode haver gente capaz de pagar
caro para participar de sessões de meditação – ou seja, para ficar sentado em
silêncio em uma sala quase sem móveis?
Sem dúvida há muita gente desiludida com o modo de vida
ocidental (a destruição do meio ambiente, a vida cada vez mais solitária das
grandes cidades e a competição pelo ganha-pão). Mas esse contingente não é
capaz de explicar, sozinho, a explosão da meditação. A verdade é que a ciência
resolveu se debruçar sobre os efeitos dessa prática, e as notícias dos
laboratórios de pesquisa cada vez convencem mais pessoas a relaxar em posição
de lótus.
O principal resultado dessas pesquisas pode ser resumido em
duas palavras: meditação funciona. Ou seja, por mais estranho que pareça aos
ratos de academia que se esfalfam em exercícios para melhorar a capacidade
cardiorrespiratória, não fazer nada por alguns minutos diariamente tem efeitos
palpáveis, reais e mensuráveis no corpo.
E o melhor: só apareceram efeitos
positivos (pelo menos até agora). Ou seja, aquilo que os adeptos da tradicional
medicina chinesa e os mestres budistas viviam repetindo (com um sorriso bondoso
no rosto) começa a ser comprovado por alguns renomados centros de pesquisa
ocidentais, como as universidades Harvard, Columbia, Stanford e Massachusetts,
nos Estados Unidos, e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no
Brasil.
É difícil listar as descobertas porque as pesquisas sobre a
meditação alcançaram a maioridade recentemente. Mais precisamente no ano 2000,
quando o líder do budismo tibetano, o Dalai Lama (sempre ele), encontrou-se com
um grupo de psicólogos e neurologistas na Índia e sugeriu que os cientistas
estudassem um time de craques em meditação durante o transe, para ver o que
ocorria com seus corpos.
Os cientistas abraçaram o desafio e, desde então, as
pesquisas não param de produzir surpresas. Já se sabe, por exemplo, que meditar
afeta, de fato, as ondas cerebrais. Sabe-se também que isso tem efeitos
positivos sobre o sistema imunológico, reduz a tensão e alivia a dor.
“Três
décadas de pesquisas mostraram que a meditação é um bom antídoto ao estresse”,
diz o jornalista e psicólogo americano Daniel Goleman, autor dos livros
Inteligência Emocional e Como Lidar com as Emoções Destrutivas, este o
relato do encontro dos cientistas com o Dalai Lama.
“Agora, o que está mira dos pesquisadores é saber como a
meditação pode treinar a mente e reformatar o cérebro”, afirma Daniel.
A piada dos dois monges, lá no início desta reportagem, não
é gratuita. Afinal, faz séculos que se pratica meditação no Oriente, por
recomendação religiosa . O detalhe é que agora a orientação também é médica.
Nos anos 70, quando a
prática começou a se espalhar pelo Ocidente, impulsionada pelo movimento
hippie, o cantor e compositor brasileiro Walter Franco cantava que tudo era uma
questão de “manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo”.
Hoje, os versos de Walter poderiam fazer parte de uma receita médica, de um
treinamento em uma grande empresa ou até mesmo de um programa para a
recuperação de presos.
“Focalizar a atenção no mundo interior, como se faz na
meditação, é uma situação terapêutica”, diz o psicólogo José Roberto Leite,
coordenador do instituto de medicina comportamental da Unifesp.
“Queremos
avaliar o alcance dessa prática e isolá-la de seu aspecto supersticioso.” Por
trás dessa intenção está o fato de que as causas de doenças mudaram
muito nos últimos 100 anos.
No passado, os males eram causados principalmente
por microorganismos. As pessoas morriam de poliomielite, de sarampo, de varíola
e outras doenças causadas por bactérias e vírus. Mas isso mudou,
graças às melhorias em saneamento e à criação de antibióticos e vacinas.
“Hoje,
a maioria das doenças é causada por coisas como hipertensão, obesidade e
dependência química, que estão ligadas a padrões inadequados de comportamento”,
diz José Roberto. Ou seja, o que mata hoje são os maus hábitos.
E são esses maus hábitos que se pretende combater pela
meditação, também conhecida pelo pomposo nome de “prática contemplativa”.
Apaziguar a mente, os cientistas estão descobrindo agora, pode reduzir o nível
de ansiedade e corrigir comportamentos pouco saudáveis. O cardiologista Herbert
Benson, da Universidade Harvard, um dos maiores pesquisadores da meditação e do
poder das crenças na promoção da saúde, chega a estimar em seu livro Medicina
Espiritual que 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas se as pessoas
apenas usassem a mente para combater as tensões causadoras de complicações
físicas.
Mas, afinal, como é que se medita e o que acontece durante a
prática contemplativa? Bem, há um leque de modalidades para quem deseja
meditar, mas a receita básica é a mesma: concentração. Vale concentrar-se na
respiração, uma imagem (um ponto ou uma imagem de santo), um som ou na
repetição de uma palavra (o famoso mantra, como “ohmmm”, por exemplo).
Parar de
pensar equivale a ficar quase que exclusivamente no presente. Faz sentido. Os
pensamentos são feitos basicamente de duas substâncias: as idéias e
experiências que ouvimos, vivemos ou aprendemos no passado e os planos e
apreensões que temos para o futuro.
É naqueles raros momentos em que
o meditador consegue livrar-se desses ruídos que surgem os sentimentos comuns
nas descrições de iogues famosos: sensação de estar ligado com o Universo ou
ter uma superconsciência do mundo.
Meditar é, portanto, concentrar-se em cada
vez menos coisas, inibindo os sentidos e esvaziando a mente. Tudo isso sem
perder o estado de alerta, ou seja, sem dormir.
Mas como saber se deu certo? Como saber se você meditou?
Essa é a melhor parte da história: não há nota ou avaliação. A não ser que você
medite plugado em um aparelho de eletroencefalograma para saber se suas ondas
cerebrais se alteraram. Como isso é pouco prático, a melhor medida para seu desempenho
é você mesmo. Só você pode dizer o que sentiu e se foi bom.
BIOLOGIA DO ZEN
Os efeitos da meditação sobre o corpo são surpreendentes.
Nos primeiros estudos sobre a meditação, na década de 60, o cardiologista
Benson, de Harvard, e outros pesquisadores submeteram meditadores a
experimentos nos quais a pressão arterial, os ritmos cerebrais e cardíacos e
mesmo a temperatura da pele e do reto eram monitorados.
Constatou-se então que,
enquanto meditavam, eles consumiam 17% menos oxigênio e seu ritmo cardíaco caía
para incríveis três batimentos por minuto (a média para pessoas em repouso é de
60 b.p.m.).
Isso acontecia quando as ondas cerebrais alcançavam o ritmo teta,
mais lento e poderoso, no qual a mente atingiria o estado de “superconsciência”
relatado pelos iogues e caracterizado por insights e alegria.
As ondas teta vibram a apenas quatro ciclos por segundo.
Para se ter uma idéia, quando estamos ativos o cérebro emite ondas beta, de
oscilação em torno de 13 ciclos por segundo. Você conhece essa sensação causada pelas
ondas teta.
É aquele embotamento dos sentidos que surge nos segundos que
antecedem o sono. Naquele momento, nosso cérebro funciona no ritmo teta.
Mas os meditadores pesquisados não estavam dormindo. Ao contrário, estavam bem
acordados e serenos.
Mais tarde, percebeu-se também que no momento da
meditação o fluxo sanguíneo diminuía em quase todas as áreas cerebrais, mas
aumentava na região do sistema límbico, o chamado “cérebro emocional”,
responsável pelas emoções, a memória e os ritmos do coração, da respiração e do
metabolismo.
O cardiologista Benson, que escreveu um clássico sobre o tema nos
anos 90 – A Resposta do Relaxamento – , tomou emprestado um pouco da humildade
oriental e disse que seu trabalho se resumiu a explicar biologicamente técnicas
conhecidas há milênios.
Desde então, uma série de novas pesquisas, respaldadas em
imagens da intimidade neurológica feitas por tomógrafos sofisticados que
retratam o cérebro em funcionamento, levantou o véu sobre outros segredos.
Um
dos estudos mais abrangentes e reveladores foi realizado por Andrew Newberg, da
Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. A idéia era registrar o que
ocorre com o cérebro quando se alcança o clímax em práticas místicas como a
meditação e a oração. Newberg rastreou a atividade cerebral de um grupo de
budistas em meditação profunda e de um grupo de freiras franciscanas rezando
fervorosamente.
Ele constatou uma significativa alteração no lobo parietal
superior, localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de
orientação – a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade.
Segundo as descobertas de Newberg, à medida que a contemplação se torna mais
profunda, a atividade na região diminui aos poucos até cessar totalmente no momento de
pico, aquele em que o meditador experimenta a sensação de unicidade com o Universo,
cerca de uma hora após o início da concentração.
Nesse instante, privados de
impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligam os mecanismos das
funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perde a noção do “eu” e
sente-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite. É o nirvana. Ou
seja, Newberg registrou em seus aparelhos a imagem de um cérebro literalmente
no paraíso.
Mas não é só isso. As imagens revelaram que, durante a
experiência, os lobos temporais (sede das emoções no cérebro) tiveram sua
atividade redobrada, o que explicaria a enorme influência da meditação sobre as
emoções e a personalidade dos praticantes. Newberg não teve dúvida em sua
conclusão: as sensações de elevação e contato com o divino vivenciadas por
budistas e freiras são um fenômeno real, baseado em fatos biológicos.
Mas há quem veja tudo isso com uma certa desconfiança. “Ao
que parece, estamos diante de um fenômeno de marketing”, disse Richard Sloan,
psicólogo do Centro Médico Presbiteriano de Columbia, em Nova York, comentando
o encontro do Dalai com os cientistas, há três anos.
Segundo Richard, é
discutível se o impacto da meditação sobre o sistema nervoso e a saúde tem um
efeito profundo e duradouro ou apenas superficial e efêmero. Então, está na
hora de conferir o que os estudos dizem a respeito.
MENTE QUIETA, CORPO SAUDÁVEL
A meditação ajuda a controlar a ansiedade e a aliviar a dor?
Ao que tudo indica, sim. Nessas duas áreas os cientistas encontraram as maiores
evidências da ação terapêutica da meditação, medida em dezenas de pesquisas.
Nos últimos 24 anos, só a Clínica de Redução do Estresse da Universidade de
Massachusetts monitorou 14 mil portadores de câncer, aids, dor crônica e
complicações gástricas.
Os técnicos descobriram que, submetidos a sessões de
meditação que alteraram o foco de sua atenção, os pacientes reduziram o nível
de ansiedade e diminuíram ou abandonaram o uso de analgésicos. Ou seja, eles
aprenderam a entender a dor, em vez de combatê-la. Com isso, deixaram de
antecipá-la ou amplificá-la por meio do medo de vir a senti-la.
Sim, porque boa
parte da sensação dolorosa é psicológica, fabricada pelo medo da dor.
Resultado: as queixas de dor, segundo o diretor da clínica, Jon Kabat-Zinn,
diminuíram, em média, 40%.
No hospital da Unifesp, em São Paulo, a meditação é indicada
para pacientes com fibromialgia (dores nos músculos e articulações), fobias e
compulsões. Ali, estudo recente dirigido pela doutora em biologia Elisa Harumi
Kozasa atestou a melhoria da agilidade mental e motora em ansiosos e deprimidos
que, durante três meses, meditaram sob a orientação de instrutores indianos.
Outra pesquisa, coordenada pelas psicólogas Márcia Marchiori e Elaine de
Siqueira Sales, deve comparar nos próximos meses os efeitos terapêuticos da
meditação com os das técnicas de relaxamento físico.
O desempenho antiestresse da meditação, segundo estudos das
universidades americanas Stanford e Columbia, acontece porque a mente aquietada
inibe a produção de adrenalina e cortisol – hormônios secretados nas situações
de estresse – , ao mesmo tempo que estimula no cérebro a produção de
endorfinas, um tranquilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina e responsável pela sensação de leveza nos momentos de
alegria.
Já parece motivo suficiente para render-se aos mantras, mas
tem mais. Investigações realizadas na Universidade Wisconsin, nos Estados
Unidos, acrescentaram que meditar também melhora a ação do sistema imunológico,
que defende o organismo contra o ataque de microorganismos (bactérias, vírus e
outros germes).
A experiência comparou dois grupos de voluntários – um
constituído de pessoas que meditavam havia alguns meses e o outro de
não-meditadores. Primeiro constatou-se que os meditadores tiveram um aumento na
atividade da área cerebral relacionada às emoções positivas.
Então, ambos os
grupos foram vacinados contra gripe e submetidos a medições quatro semanas e
oito semanas depois. O pessoal habituado a entoar mantras apresentou um número
bem maior de anticorpos, o que sugere que seus sistemas de defesa estavam mais
ativos.
Em abril passado, durante um encontro da Associação
Americana de Urologia, anunciou-se que a meditação ajuda a conter o câncer da
próstata. E alguns pesquisadores relataram que mulheres com câncer de mama que
passaram a meditar tiveram elevação no nível de células imunológicas que
combatem tumores.
Mas essas descobertas estão longe de alcançar a unanimidade
entre os cientistas. O psiquiatra americano Stephen Barret, um dos principais
críticos às terapias alternativas nos Estados Unidos, desconfia desses resultados.
“Meditar pode aliviar o estresse, mas sua ação nunca irá além disso no
tratamento de doenças graves, como o câncer.”
Mesmo um entusiasta da técnica,
como Herbert Benson, não descarta os tratamentos ocidentais tradicionais. Para
ele, a saúde e a longevidade no mundo moderno serão, cada vez mais, resultado
de um tripé formado por remédios, cirurgias e cuidados pessoais, incluindo-se
aqui a meditação e todo o poder catalisador das crenças nas reações orgânicas.
O CÉREBRO REPROGRAMADO
Mas ainda há muita coisa para ser descoberta sobre o mantra
e os pesquisadores estão debruçados sobre os meditadores, tentando entender
como é que um ato tão simples causa tantas modificações.
Estudos como
o de Wisconsin, que ligam disciplina mental a emoções positivas e ao bom
desempenho do sistema imunológico, atiçam o interesse dos cientistas em avaliar
o real poder da meditação na reformatação das funções cerebrais.
E o que eles
estão descobrindo é que, com suficiente prática, os neurônios podem reprogramar
a atividade dos lobos cerebrais, especialmente a área relacionada à
concentração e à orientação.
Não dá para negar que, sobre concentração, o Dalai Lama e os
orientais, com sua atenção aos detalhes e sua atenção extrema, têm muito a
ensinar aos ocidentais.
“Só há pouco a psiquiatria ocidental reconheceu a
existência do transtorno do déficit de atenção (uma síndrome caracterizada pela
dificuldade de concentração, baixa tolerância à frustração e impulsividade),
mas há milhares de anos tradições como o budismo afirmam que todos sofremos
desse distúrbio com mais ou menos intensidade”, diz o psiquiatra Roger Walsh,
da Universidade da Califórnia em Irvine.
A possibilidade de alterar em profundidade o cérebro, apenas
meditando, talvez possa no futuro ajudar a prevenir ou a superar complicações
vasculares a custo bem mais baixo que o das cirurgias.
Ou a romper
condicionamentos e redirecionar as mentes de indivíduos anti-sociais – o que,
aliás, vem sendo testado com relativo êxito.
Numa experiência na Kings County
North Rehabilitation Facility, penitenciária próxima a Seattle, nos Estados
Unidos, um grupo de prisioneiros condenados por crimes relacionados ao consumo
de droga e álcool praticou vippassana (meditação budista com foco inicial na
respiração, seguida de análise existencial) 11 horas por dia durante dez dias.
Após voltarem para casa, apenas 56% deles reincidiram na criminalidade no prazo
de dois anos, um índice considerado bom comparado aos 75% de reincidência entre
os que não meditaram.
Já na Universidade Cambridge, nos Estados Unidos, um estudo
constatou a redução de até 50% nas recaídas de pacientes com depressão crônica
que passaram a meditar regularmente. A doença é acompanhada por uma diminuição
no nível do serotonina no cérebro, processo geralmente revertido com o uso de
antidepressivos, como Prozac.
A meditação aumenta a produção desse
neurotransmissor, funcionando como um antidepressivo natural. Em Cotia, em São
Paulo, um programa de meditação para crianças carentes, conduzido
pela monja Sinceridade no Templo Zu Lai (sede da primeira universidade budista
do país), tem resultado em mudanças no comportamento de 128 meninos de favelas.
“Eles melhoraram significativamente a concentração. E a convivência social com
eles tornou-se mais tranqüila”, diz ela.
FAST FOOD MENTAL?
Toda essa popularidade, porém, não permite afirmar que a
meditação continuará mantendo alguma identidade com a prática ancestral do
Oriente. Além de sua gradual transformação em técnica laica, ocorre neste momento uma
rápida adaptação do modo de usá-la ao estilo de vida ocidental.
Em vez de contemplações que duram uma eternidade (você aí
teria pique para ficar quatro horas sentado no chão, imóvel, como faz
diariamente o Dalai Lama?), tornou-se padrão a meditação de 20 minutos duas
vezes ao dia.
Ainda assim, isso parece exigir uma boa dose de sacrifício de
inquietos habitantes de metrópoles como Nova York e São Paulo. No próximo ano,
o autor Victor Davich lançará nos Estados Unidos o livro Eight Minutes that
Will Change your Life (“Oito Minutos que Mudarão sua Vida”) no qual defenderá
um tipo de meditação “fast food” de não mais que oito minutos.
Segundo ele,
esse é o tempo que os americanos estão acostumados a se concentrar diariamente:
os blocos de programas de TV duram exatamente isso, entre um comercial e outro.
Da mesma forma, os mantras sonoros em sânscrito das meditações místicas foram
substituídos por mantras mentais, baseados em palavras escolhidas ao acaso.
Tais ajustes são vistos com reservas por iogues, praticantes
tradicionalistas e até instrutores mais liberais, como a americana Susan
Andrews, para quem é saudável tirar a meditação “das nuvens do esoterismo” e
aproximá-la da ciência.
“Relaxamento e pensamento positivo são efeitos
colaterais da meditação, não sua meta”, diz Susan. “O grande alvo é atingir a
hiperconsciência, o samadhi, aquele estado de plenitude, iluminação e êxtase
indescritível.” A questão é que para chegar lá o meditador precisa deixar de
lado a idéia de que meditar não implica qualquer esforço, cuidando de manter a
concentração firme e afinada por pelo menos uma hora. E isso, admitamos, é algo
que também exige um preparo de monge.
Passo a passo
Há vários maneiras de meditar, mas a regra básica é a
mesma: atenção
Sentado
No chão ou em uma cadeira, mantenha a coluna ereta e concentre-se
nos movimentos da respiração, observando a entrada e a saída do ar pelas
narinas. Se preferir, concentre-se num mantra, que pode ser qualquer palavra,
uma frase ou apenas um murmúrio. Repita seu mantra a cada expiração. Fechar os
olhos pode ajudar. Se ficar de olhos abertos, concentre o olhar em um ponto.
Em pé
Posicione-se junto a uma fileira de árvores e tente se
sentir como uma delas. Concentre-se na respiração e imagine seus pés
desenvolvendo raízes no chão.
Caminhando
É uma boa saída para quem, por algum motivo, não consegue
ficar imóvel. O segredo é focar as pisadas, vendo-as como um todo ou como
segmentos do movimento, que pode ser lento ou acelerado. Melhor caminhar em
círculo, sem a expectativa de um ponto de chegada.
Visualização
Crie uma imagem significativa para você – pode ser um
símbolo religioso ou uma paisagem – e concentre-se nela.
Entre o céu e os neurônios
Meditação não é coisa só de budistas. Várias religiões
têm sua versão dessa prática
Hinduísmo
Textos sagrados do período védico, entre 2000 e 3000 a.C.,
fazem referências a mantras e contemplações. A meditação é uma das principais
práticas do conjunto de escolas religiosas da Índia conhecido como hinduísmo.
Budismo
Foi meditando debaixo de uma figueira que o príncipe Sidarta
Gautama alcançou a iluminação, por volta de 588 a.C., tornando-se o Buda.
Prática fundamental no budismo, a meditação é vista, sobretudo, como um método
de examinar a realidade pessoal e eliminar condicionamentos.
Cristianismo
Os chamados padres do deserto, da região de Alexandria, no
Egito, é que consolidaram a meditação como hábito cristão no século 4. A
prática, disseminada nos monastérios, desde o século passado vem sendo adotada
por cristãos leigos.
Judaísmo
Os praticantes da Cabala, tradição esotérica judaica,
difundiram a meditação entre seus adeptos na Europa, por volta do ano 1000,
como uma forma de entrar em comunhão com Deus.
Islamismo
Também por volta do ano 1000, os sufis, que constituem o
segmento místico dos muçulmanos, incorporaram a meditação aos seus rituais, os
quais incluem o êxtase místico por meio da dança.
Independentes
Em 1967, um encontro dos Beatles com o guru Maharishi Mahesh
Yogi iniciou a expansão da meditação transcendental no Ocidente e o
florescimento de uma infinidade de gurus e técnicas meditativas que, desde
então, atraem adeptos em toda parte.
Para saber mais
Na livraria
A Mente Alerta, Jon Kabat-Zinn, Objetiva, Rio de Janeiro,
2001
Meditação e os Segredos da Mente, Susan Andrews, Instituto
Visão Futuro, Porangaba, 2001
Why God Won´t Go Away, Andrew Newberg, Ballantine, Nova
York, 2001
Yoga, Caco de Paulo e Marcia Bindo, São Paulo,
Superinteressante, 2002
A Resposta do Relaxamento, Herbert Benson, Nova Era, 1995
Medicina Espiritual, Herbert Benson, Campus, Rio de Janeiro,
2003
Na internet
www.dharmanet.com.br
www.yoga.pro.br
www.mindandlife.org
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