As Quatro Nobres
Verdades, ensinamentos fundamentais do budismo
"Um dos
ensinamentos básicos do Buda é que é possível viver feliz no momento presente.
Drishta dharma sukha vihari é a expressão em sânscrito. O Dharma lida com o
momento presente.
O Dharma não é uma questão de tempo. Se você pratica o
Dharma, se vive de acordo com o Dharma, a felicidade e a paz estão com você
agora. A cura se dá tão logo o Dharma seja abraçado."
(Thich Nhat Hanh,
Living Buda, Living Christ)
No ano 589 anos da era
cristã (2513 do atual Kali Yuga), depois de experimentar sua iluminação debaixo
de uma figueira do Parque das Gazelas, em Sarnath, Buda Shakyamuni fez o seu
primeiro sermão, em que apresentou as quatro nobres verdades de que
(1) existe
sofrimento; (2) o sofrimento tem causas;
(3) o sofrimento tem um fim e (4)
existe um caminho para finalizar o sofrimento.
Mostra que tudo é sofrimento,
que a causa do sofrimento é o desejo, que o sofrimento cessa quando o desejo
cessa; e que isso se consegue seguindo o caminho das oito vias.
No sermão de
Benares, afirmou ainda que o esforço correto é o do equilíbrio equidistante de
todos os extremos - o Caminho do Meio, e que a liberação do 'eu' libera nossos
corações da avidez, do ódio e da ilusão, abrindo a mente para a Sabedoria e o
coração à bondade e à Compaixão.
Segundo o Buda, nós devemos conhecer as quatro
verdades, saber a tarefa a ser feita em cada uma delas e finalmente realizá-las
por completo. Elas são semelhantes a uma receita médica, diagnosticando a
doença, a causa desta doença, o remédio para curá-la e a prescrição de como
tomá-lo.
A Nobre Verdade do
Sofrimento (sânsc. Duhkha - páli Dukkha)
"A condição de
samsara é basicamente uma condição da mente e não do mundo externo — apesar de
muitas pessoas suporem o contrário.
O samsara não é o mundo material onde
vivemos — casas, árvores, montanhas, rios, animais etc. Ao invés disso, [o
samsara] é a mente que vive ocupada e que nunca consegue aquietar-se."
(Traleg Kyabgon
Rinpoche, The Essence of Buddhism)
A Primeira Nobre
Verdade nos lembra da existência cíclica de sofrimentos e renascimentos sem
fim, que os budistas chamam da Roda da Vida ou Samsara. Buda revela aqui tudo
no mundo encerra uma possibilidade de causar sofrimento.
'Nascer é sofrer,
envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não
gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o
que queremos é sofrer'.
Para o budismo, todo esse sofrimento ultrapassa o mero
desconforto físico e psicológico ao manchar a existência como um todo.
Buda, no
entanto, não negou a felicidade mundana, mas reconheceu que não podemos ter a
expectativa de que ela dure — esse tipo de felicidade é impermanente,
insatisfatório e sem essência.
Buda diagnosticou esta insatisfação como uma
doença que atinge todos os seres sencientes. A tarefa da primeira nobre verdade
é que o sofrimento deve ser completamente entendido.
Em seus sermões, Buda
lembrou diversos acontecimentos corriqueiros de nossas vidas, que para nós são
sofrimento, na medida em que não estamos conscientes de como as coisas atuam e
não somos senhores de nós mesmos, parte devido a condicionamentos
automatizados, parte à ignorância intrínseca que todos temos.
A Primeira Nobre
Verdade é esta tomada de consciência; é somente a porta de entrada para a
mensagem de que há uma saída para nossos problemas.
A Nobre Verdade da
Causa do Sofrimento (sânsc. e páli Samudaya)
"Sofremos, não
porque somos basicamente maus ou porque merecemos ser punidos, mas por causa de
três trágicos mal-entendidos.
Primeiro, esperamos que aquilo que está em
constante mudança seja previsível e possa ser aprisionado. [...] Em segundo
lugar, procedemos como se fôssemos separados de todo o resto, como se fôssemos
uma identidade permanente, quando, na verdade, nossa situação é 'sem ego'.
[...] Em terceiro lugar, procuramos a felicidade sempre nos lugares errados. O
Buda chamou esse hábito de 'confundir sofrimento com felicidade', como uma
mariposa que voa para a chama."
(Pema Chödrön, Os
Lugares Que Nos Assustam)
Na segunda nobre
verdade, Buda ensina que o sofrimento não surge 'por acaso', nem é um castigo
imposto por um 'ser superior' em decorrência de nossos 'pecados'.
Sua origem
não está em coisas externas como a sociedade, a política e a economia; estas
são causas secundárias, reflexos externos de nossas delusões internas.
Para
Buda, o sofrimento é causado pelo apego ao desejo e ao intenso 'querer' do ser
humano, a sede de prazeres físicos, uma ânsia que nunca pode ser plenamente
saciada e que, portanto, sempre irá provocar um sentimento de desprazer.
O
desejo deludido faz com que nos apeguemos à falsa idéia de um 'eu' ou 'ego',
que possui grande apego por felicidade, ganhos, elogios e fama - e não consegue
mantê-los – e uma aversão pela tristeza, perdas, críticas e difamação – e nem
sempre consegue evitá-las.
Para Buda,
até mesmo o desejo de sobrevivência do ser humano contribui para manter o sofrimento.
Enquanto ele se apegar à vida – e continuar acreditando que tem uma alma -, irá
perceber o mundo como sofrimento.
O desejo de não existir também causa dor e
confirma a ilusão da existência de um ego, pois é baseado na sua existência que
a pessoa, frustrada e cansada, deseja aniquilá-lo ou paralisá-lo.
Para o budismo não há
nada de errado em ter prazer ou desejos. O erro é nos subjugarmos a eles
através do apego, e em vez de sermos senhores de nossa situação, sermos apenas
escravos deste apego/aversão.
Por exemplo: ao
obtermos algo que desejamos ficamos felizes. A realização daquele desejo,
preenchendo-o e finalizando-o é a experiência da felicidade. Pela lei da
impermanência, esta experiência tem um fim, e pelo apego gerado desejamos
reviver aquela felicidade.
Só que este desejo pedindo imediata satisfação cria
tensão, angústia, medos. Ficamos presos então a uma roda viva de
desejos-satisfação-apego-aversão-outro desejo.
Algumas emoções
negativas que causam sofrimento:
. desejo, cobiça,
ambição, luxúria, avareza, ganância ou apego (sânsc. kama-raga, páli lobha);
. raiva, ódio, cólera,
agressão, má-vontade ou aversão (sânsc.dvesha, páli dosa);
. ignorância, confusão,
dúvida, ilusão ou delusão (sânsc. avidya, pálimoha).
"O 'querer' sábio
não pode dar origem ao apego. Desta
forma, não há apego ao conceito ilusório de 'eu' ou 'meu' e não há a
existência do 'ego', nem nascimento do 'ego'.
Não há 'ego', nem 'eu' ou 'meu' a
surgir. Nada pode, desta maneira, entrar em contato com o 'eu', pois sem 'eu'
não há problema algum na mente."
(Achaan Budadasa, A
Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)
A Nobre Verdade da
Extinção do Sofrimento (sânsc. Nirodha, páliNirodho)
"Naquele que é
caridoso a virtude crescerá. Naquele que domina a si próprio nenhuma cólera
poderá aparecer. O homem justo rejeita toda maldade. Pela extirpação da
concupiscência, do ódio e de toda ilusão, tu atingirás o Nirvana"
(O Buda,
Mahaparinibbana Sutta)
A Terceira Nobre
Verdade é que o sofrimento pode ser levado ao fim. Em termos budistas, isto só
é possível quando
o desejo cessa. Para
isso, a ignorância do homem deve ser enfrentada, pois ela é a causadora do
desejo.
O homem não se liberta sem desenvolver em si o afloramento da Sabedoria
interior, do Amor e da Compaixão, itens imprescindíveis para a nossa
sobrevivência, ensinados por Buda.
A total cessação do sofrimento também é
conhecida como aliberação (sânsc. Nirvana, páli Nibbana). A tarefa da terceira
nobre verdade é que a cessação deve ser completamente realizada.
Nirvana
Palavra de conhecimento
mundial, mas cujos significados verdadeiros são amplamente desconhecidos. Em
sânscrito, 'Nir' é 'não', e 'vana' é 'cordão'; assim Nirvana pode ser traduzido
como 'não estar preso', ou 'estar liberto' (da tirania do ego, da ignorância, da
ilusão e da dor).
No budismo, o Nirvana é um estado do ser, e não um lugar ou
'paraíso', e pode ser alcançado por todos que renunciam ao 'eu' e ao apego. É
um estado de paz e alegria sem limites. Algo eterno, fora do sofrimento.
Aquele
que atinge o Nirvana não se arrepende do passado nem se preocupa com o futuro;
vive o momento presente e está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do
ódio, da vaidade, do orgulho.
Torna-se um ser puro, meigo, cheio de Amor
Universal, Compaixão, bondade, simpatia, compreensão e tolerância. Presta
serviço aos outros com a maior pureza, não procura lucro, nem acumula coisa
alguma, nem mesmo bens espirituais, pois está liberto do desejo de vir a ser
alguma coisa.
Buda atingiu o Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a pessoa 'Gautama
Siddhartha' morria para dar lugar ao Iluminado. Segundo textos budistas, ele
renasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá.
A Nobre Verdade do
caminho que leva à Cessação do Sofrimento (sânsc. marga, páli magga)
"[Buda] nos
ensinou o caminho do meio; a não sermos
muito rígidos, nem muito relaxados; a não ir nem a um extremo, nem a
outro. [...] Trilhar o caminho do meio faz surgir condições que conduzem ao
estudo e prática, bem como ao sucesso em colocar um fim ao sofrimento. A
expressão 'caminho do meio' pode ser aplicada genericamente em muitas situações
variadas.
Não é possível você se enganar. O caminho do meio consiste em seguir
o meio dourado. Conhecer as causas, conhecer os efeitos, conhecer a si mesmo,
conhecer quanto é suficiente, conhecer o tempo apropriado, conhecer os
indivíduos, conhecer os grupos de pessoas: estas sete nobres virtudes
constituem o caminho do meio."
(Achaan Budadasa, 48
Respostas sobre Buddhismo)
A Quarta Nobre Verdade
consiste na base de todo treinamento budista. Indica o Caminho a tomar para a
cessação do sofrimento e do renascimento: o Nobre Senda Óctupla, Caminho do
Meio ou O caminho das Oito Vias.
Com base em sua própria
existência, Buda acreditava que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se
deve viver nem no prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos os
extremos acorrentam o homem ao mundo e, assim, à 'roda da vida'.
Todo budista
deverá aplicar o esforço correto para trilhar o caminho do meio, ficando longe
de radicalismos, de pontos de vistas extremos e errôneos, vivendo conforme o
conselho de Buda:
se esticarmos demais as cordas do violão elas arrebentarão, e
se as deixarmos frouxas, elas não produzirão o som adequado. O ideal está no
meio-termo, na medida correta das coisas. Assim, cada budista deverá descobrir
qual é o seu 'Caminho do meio'.
O caminho para dar fim
ao sofrimento é o 'caminho do meio', e Buda o descreveu em três áreas
simultâneas e complementares (Vida ética, Concentração e Sabedoria), que juntas
reúnem oito partes: (1) Compreensão Correta ou Completa; (2) Pensamento
Correto; (3) Palavra Correta; (4) Ação Correta; (5) Meio de Vida Correto; (6)
Esforço Correto; (7) Conscientização Completa ou Correta; e (8) Concentração
Correta.
O símbolo universal
budista da Roda, a Roda da Lei - que se opõe à Roda da Vida de ignorância e
sofrimentos - é composta por oito fatores, representados pelos oito raios da
Roda. Cada Raio representa um fator que nós todos temos funcionando em nossas
vidas diárias, só que de forma incompleta, parcial, obscura ou errônea.
Budismo
busca colocar estes oito fatores funcionando em nossas vidas em seu lado pleno.
Compreensão Correta ou
Completa e Pensamento Correto
Busca da Sabedoria,
libertando o homem da ignorância que o mantém na roda da vida. O homem deve
construir sua compreensão sobre como o mundo funciona, lutar contra o desejo,
evitar sentimentos de que causam o sofrimento, como ódio e luxúria, e olhar o
Buda como um ideal.
Palavra Correta, Ação
Correta e Meio de Vida Correto
Código de ética do
budismo. O homem deve parar com mentiras e intrigas, e falar com o seu
semelhante de forma verdadeira e carinhosa. Ficar em silêncio quando
necessário.
Deve seguir os cinco mandamentos (não matar nenhum ser vivo, não
roubar, não ser sexualmente promíscuo, não mentir e não tomar estimulantes).
Escolher um trabalho que não contrarie esse mandamentos. Por exemplo, embora o
budista possa comer carne, não pode ser açougueiro.
Esforço Correto,
Conscientização Completa ou Correta e Concentração Correta
Maneira como o ser
humano pode melhorar a si mesmo. O budista deve evitar pensamentos ou estados
de espírito destrutivos, e se já existirem, devem expulsá-los. Deve praticar a
autocontemplação para obter pleno controle do seu corpo e de sua mente. Uma vez
conseguido isto, ele estará pronto para iniciar a meditação.
Através dela, o
budista pode atingir a plena iluminação, libertando-se da lei do carma. O
budista se torna então um arhat (isto é, 'venerável'), o que significa que não
irá mais renascer. E quando morrer, atingirá o eterno nirvana.
"Às vezes os
ensinamentos podem parecer pouco práticos. Você pode dizer, 'Tudo bem, entendi
tudo, mas tenho um pequeno problema: hoje é dia 18 e no dia 20 tenho de saldar
uma conta. O que vou fazer? Explicar ao gerente do banco o nobre caminho
óctuplo? Ele pode até compreender, mas não vai poder me ajudar...' [...]
Podemos manipular coisas, dar jeitinhos, mas existe um limite. Quando manipulamos,
o ensinamento buddhista diz: isso não é liberação, isso é o modo de agir na
roda da vida, mas a efetividade dessa ação não passa de um certo ponto. Em um
determinado momento, vamos ter mesmo de passar pelas piores circunstâncias.
Quando isso acontece, surge a possibilidade de liberação, como ocorreu com o
Buda, a revelação da natureza ilimitada que está além da roda da vida. O
ensinamento buddhista não diz que você vai se livrar das dificuldades. O
budismo ensina que, no meio das dificuldades, sua natureza última não entra em
sofrimento, não pode ser afetada.
Esse é o ensinamento mais sutil sobre crise.
No budismo dizemos que sofrimento e alegria têm a mesma face quando
contemplados a partir da natureza última. Na natureza última não é corrompida
na alegria e não entre em crise no sofrimento."
(Padma Samten,
Meditando a Vida)
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