Por Dr. Paulo Farber
Imagine você passar anos sabendo que
você está com depressão, vendo a vida passar como se somente os outros fossem
convidados para a “festa da vida”. Os remédios ajudaram no início do quadro, mas
agora, mesmo tomando os remédios em altas doses, você se sente cada vez pior,
cansado(a), sem ânimo de fazer nada. Daí descobre que a causa do seu problema
era uma doença física que não tinha sido diagnosticada.
O diagnóstico de depressão está cada vez
mais presente, é difícil o dia que não recebo no consultório pacientes com esse
diagnóstico, a maioria tomando os antidepressivos chamados inibidores seletivos
de recaptação de serotonina . O sofrimento desses pacientes é patente, e o
diagnóstico foi feito somente através dos sintomas, sem uma investigação
clínica mais profunda.
É como se estivéssemos em uma epidemia
contemporânea, e o que é pior, os remédios até ajudam no início do tratamento,
mas com o passar do tempo, muitos pacientes continuam deprimidos, apesar da
medicação. Mas será que todos estão com depressão de origem puramente psíquica?
Vejamos alguns critérios diagnósticos da
depressão, segundo o DSM-IV (O
manual psiquiátrico utilizado para diagnosticar os problemas mentais): “Estado
deprimido”, “Dificuldade de concentração”, “Insônia ou sonolência”, “Perda ou
ganho significativo de peso” “Diminuição de energia, cansaço, fadiga”. O maior
problema é que esses sintomas podem estar ligados a doenças físicas,
E isso significa que o tratamento dessas doenças pode fazer toda a diferença no
paciente “deprimido”.
Existem três doenças muito
prevalentes que podem levar a sintomas muito semelhantes a uma depressão de
origem psíquica:
- Hipotireoidismo.
- Resistência à Insulina.
- Deficiência de Vitamina B12.
O Hipotireoidismo é uma
deficiência do funcionamento da glândula tireóide, que mesmo quando as
alterações glandulares são mínimas (hipotireoidismo subclínico), mais de 50%
dos pacientes apresentam depressão (ROMALDINI, João Hamilton; SGARBI, José
Augusto and FARAH, Chady Satt. Subclinical thyroid disease:
subclinical hypothyroidism and hyperthyroidism. Arq Bras Endocrinol Metab
[online]. 2004, vol.48, n.1 [cited 2011-12-20], pp. 147-158. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302004000100016.).
Felizmente a maioria dos médicos pedem exames da função tireoideana quando
deparam-se com pacientes deprimidos, e essa condição é rapidamente
diagnosticada, o que não acontece com as outras duas outras condições citas
acima.
A resistência à insulina é outra
das possíveis causas da depressão. Para entender a depressão nessa condição,
vamos recordar o que acontece com o metabolismo dos carboidratos. Quando
comemos os carboidratos, eles são digeridos em açúcares como a glicose.
A
glicose não pode ficar “sobrando” no sangue (precisa ir para as células ajudar
na formação de energia, além de ser depositada nas células do fígado ou da
gordura). A insulina, fabricada no pâncreas, é a principal responsável pela
mobilização da glicose. A secreção de insulina é bem complexa, em “ondas” (Seino
S, Shibasaki T, Minami K. Dynamics of insulin secretion and the clinical
implications for obesity and diabetes. J Clin Invest. 2011 Jun 1;121(6):2118-25 ),
e o consumo exagerado de carboidratos faz com que a insulina pare de
funcionar, gerando a resistência à insulina, caracterizando a pré-diabetes (Roberts
CK, Liu S. Effects of glycemic load on metabolic health and type 2 diabetes
mellitus. J Diabetes Sci Technol. 2009 Jul 1;3(4):697-704 ).
A resistência
à insulina, junto com a obesidade e a hipertensão formam o que chamamos de
“síndrome metabólica”, uma das maiores causas de doenças como infarto do
miocárdio (ataque do coração) e acidente vascular cerebral (derrame). Mas, como
nesses casos a glicose não gera energia, isso também gera cansaço, fraquesa,
desânimo, sintomas idênticos ao da depressão.
Vários trabalhos científicos
relatam os sintomas depressivos em pacientes com síndrome metabólica (Akbaraly
TN, Ancelin ML, Jaussent I, Ritchie C, Barberger-Gateau P, Dufouil C, Kivimaki
M, Berr C, Ritchie K. Metabolic syndrome and onset of depressive symptoms in
the elderly: findings from the three-city study. Diabetes Care. 2011
Apr;34(4):904-9.; Koponen H, Jokelainen J, Keinänen-Kiukaanniemi S, Kumpusalo
E, Vanhala M. Metabolic syndrome predisposes to depressive symptoms: a
population-based 7-year follow-up study. J Clin Psychiatry. 2008
Feb;69(2):178-82.; Kozumplik O, Uzun S. Metabolic syndrome in patients with
depressive disorder–features of comorbidity. Psychiatr Danub. 2011
Mar;23(1):84-8.)
O diagnóstico da resistência à insulina não é difícil,
basta investigar os níveis de glicose e insulina após ingestão de glicose
(curva glicêmica e insulinêmica). A hemoglobina glicada acima de 5,7% também
indica uma situação de pré-diabetes. (American Diabetes Association Guidelines,
2009 ). Portanto, antes de iniciar um tratamento com antidepressivo vale a pena
investigar se o cansaço e o desânimo não são conseqüência de resistência à
insulina, ou mesmo de uma hipoglicemia. Essa condição é extremamente comum e
prevalente no nosso meio.
Portanto o hipotireoidismo e o
pré-diabetes podem levar aos mesmos sintomas da depressão psíquica. E sem um
diagnóstico correto, é possível que uma parte dos pacientes considerados
portadores de depressão psíquica estejam com um problema clínico. E tem ainda
um outro problema, muito comum, e se não diagnosticado pode levar a conseqüências
graves: A deficiência de vitamina B12.
A vitamina B12 é produzida por
bactérias e chega ao organismo humano através do consumo de carne de animais
que entraram em contato com essas bactérias. A vitamina B12 é absorvida no
intestino delgado com a ajuda de uma proteína do estômago conhecida como fator
intrínseco e pelo ácido do estômago. Portanto os vegetarianos, aqueles que não
tem o estômago (p. ex. cirurgia bariátrica) ou que utilizam remédios que inibem
o ácido do estômago, além dos idosos cujo estômago pode estar com atrofia, são
mais propensos a essa deficiência.
Há algumas pessoas também que possuem
deficiência na absorção da vitamina B12. Os sintomas vão desde fraqueza e
desânimo até lesões cerebrais irreversíveis, com diminuição na capa de mielina das
células do sistema nervoso. O ácido fólico, ou vitamina B9, também costuma
estar diminuído nestes casos piorando ainda mais a situação.
O pior é que não é fácil
diagnosticar a deficiência de vitamina B12, já que os níveis podem estar quase
“normais”, mas a vitamina celular está baixa. E aqui no Brasil não se
dosa a holotranscobalamina, que é a vitamina B12 que funciona nas células.
Portanto o que devemos fazer é dosar a vitamina B12 total (que pode estar
falsamente normal), a homocisteína (que aumenta quando temos deficiência de
vitamina B12 e ácido fólico) e o ácido metilmalônico, que aumenta na
deficiência de B12. Mesmo em deficiências pequenas ou níveis normais mas na
faixa inferior, aconselho suplementar a vitamina B12, devido aos riscos de não
fazê-lo.
E como muitas vezes a absorção está comprometida, a reposição deve ser
feita com a vitamina B12 injetável ou, como prefiro, por via sublingual. Já vi
pacientes com deficiência de vitamina B12 que ficaram durante anos sendo
tratados como depressivos e melhoraram rapidamente com a reposição. (Quadros
EV. Advances in the understanding of cobalamin assimilation and metabolism. Br
J Haematol. 2010 Jan;148(2):195-204.; Hanna S, Lachover L, Rajarethinam RP.
Vitamin b(12) deficiency and depression in the elderly: review and case
report. Prim Care Companion J Clin Psychiatry. 2009;11(5):269-70.
Herrmann W,
Obeid R. Causes and early diagnosis of vitamin B12 deficiency. Dtsch
Arztebl Int. 2008 Oct;105(40):680-5; Carmel R. Biomarkers of cobalamin (vitamin
B-12) status in the epidemiologic setting: a critical overview of context,
applications, and performance characteristics of cobalamin, methylmalonic acid,
and holotranscobalamin II. Am J Clin Nutr. 2011 Jul;94(1):348S-358S. )
Concluindo, a “epidemia” de depressão
pode esconder vários outros problemas, muitos gerados pelo estilo de vida
contemporâneo. A alimentação rica em carboidratos de alto índice glicêmico e
baixa quantidade de nutrientes (conhecida como junk food), aliada ao abuso
de medicamentos para diminuir a acidez do estômago, estão ajudando a
criar o que parece ser essa “epidemia”.
E o tratamento desses pacientes com
antidepressivos somente mascara o problema, adiando o tratamento da doença de
base. A falta do tratamento adequado pode levar ao diabetes (e todas as suas
conseqüências) ou lesões cerebrais irreversíveis.
Pesquisado por dharmadhannyael
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